29ª Festa do Boi Falô mantém tradição de memória em disputa nesta Sexta Santa
Nesta sexta-feira, 18 de abril, das 10h às 16h, a praça Irmã Carmela Stucchi em Barão Geraldo (a famosa “praça do côco”) será palco da tradicional Festa do Boi Falô, a 29ª, evento que celebra uma das lendas mais conhecidas da região e que sempre teve disputa de versões.
A praça fica na rua Manoel Antunes Novo, altura do numero 822, e contará com uma programação cultural animada e a já consagrada macarronada, marca registrada da celebração. A entrada é gratuita e aberta a toda a comunidade. O evento conta com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Campinas e da Feira de Barão.
Durante o evento, os visitantes poderão acompanhar apresentações musicais e oficinas culturais. O grupo Caixeiras das Nascentes realizará apresentação das 11h às 12h. Além disso, às 12h, os participantes receberão bênção do padre Thiago Ruiz, pároco da Igreja de Santa Isabel.
E como não podia deixar de ser as crianças também farão parte da programação: das 11h às 14h, acontece oficina de artesanato com Emília Reily de Souza. Graduada em Desenho de Moda pela Faculdade Santa Marcelina, Emília trabalha com figurino de ópera desde 2005, passando pelo Festival Amazonas de Ópera, Theatro Municipal de São Paulo e Teatro São Pedro. Nos últimos cinco anos, atuou como educadora de figurino no projeto “Fábricas de Cultura”, unidade Parque Belém.

Confronto de versões
Criada em 1988 para marcar o centenário da Abolição da Escravidão no Brasil, a Festa do Boi Falô tem como base uma lenda que atravessa gerações e guarda significados profundos sobre fé, resistência e ancestralidade. De acordo com a versão mais tradicional e antiga de Barão um capataz teria mandado um empregado (ou escravo, alguns diziam um caboclo, outros um “menino”) buscar uns bois que ficaram deitados debaixo de árvores do antigo “Capão do Boi” (que era um pequeno bosque que havia na entrada do distrito e foi destruído por volta de 1974 para a construção da atual Avenida Romeu Tórtima). E ao tocar ou cutucar os animais para se levantarem, um dos bois teria dito: “Hoje não é dia de trabalhar! Hoje é dia de Nosso Sinhô Jesus Cristo!”. O homem saiu correndo de medo e contou o fato ao capataz que não acreditou. E ambos retornaram ao local para pegar os bois. E quando chegaram lá, o boi tornou repetir a frase. Chocados, os dois retornaram e de medo (ou respeito?) , nada mais foi feito naquele dia.
Porém, anos depois, a partir da Escola Barão Geraldo de Rezende e das primeiras Festas do Boi Falô (anos 1990) surgiu uma outra versão que se tornou mais popular e hegemônica em Campinas, devido à ampla divulgação da mídia por várias décadas. Nessa versão conta-se que em 1888 um escravizado da Fazenda Santa Genebra, chamado Toninho, foi obrigado a trabalhar: recebeu uma ordem do próprio Barão para buscar um boi em uma Sexta-feira Santa. E ao chegar ao pasto, um dos bois teria olhado para ele e dito: “Toninho, hoje não é dia de trabalhar; hoje é dia de se guardar”. Toninho correu de volta para a fazenda gritando “o boi falô, o boi falô!” e contou o ocorrido ao capataz. Impressionado, até o capataz, descrente, teria se tornado rezador. Toninho, por sua vez, ganhou a confiança do Barão Geraldo de Rezende e passou a trabalhar dentro da casa-grande, sendo posteriormente enterrado ao lado do Barão. Seu túmulo é até hoje um dos mais visitados da cidade no Dia de Finados.
Mas enfim, como toda lenda popular, a história do Boi Falô possui diversas versões. E por isso membros da Comissão Pró-Memória de Barão Geraldo solicitaram a inclusão da primeira narrativa, sem a figura de Toninho ou do Barão Geraldo de Rezende e sem ano. Pois é mais proxima da narrativa contada por seus pais e avós.
Independentemente da versão contada, a Festa do Boi Falô resgata elementos importantes da cultura oral, da religiosidade popular e da memória do povo local independente de categoria. É um momento de celebração, mas também de reflexão sobre a resistência e a sabedoria dos povos que ajudaram a construir a identidade cultural de Campinas. A festa integra o calendário cultural da cidade e mantém viva a tradição por meio de histórias, comidas típicas e da presença ativa da comunidade local. É uma oportunidade imperdível para conhecer mais sobre o folclore da região, saborear uma boa macarronada e se conectar com um passado que ainda ecoa na memória coletiva.
“Em tempos digitais e de uma sociedade acelerada, queremos manter e preservar o sentido original que a lenda nos lembra: “Hoje não é dia de trabalhar. É o dia da morte de Cristo” e o início da Páscoa. Que sempre foi a celebração católica mais respeitada da História de Campinas. Mas hoje tudo mudou! O povo vem pra festejar, compartilhar, celebrar! Todos juntos por um momento. Acreditamos que a festa, o boi, a lenda e suas versões, enfim, somos todos parte de um território livre, coletivo e festeiro. Este tempo-memória consegue reunir muitas pessoas na construção dessa festa“, conta o historiador Warney Smith Silva.

As crianças fazem parte da programação das 11às 14h – foto de Carlos Bassan arquivo da Prefeitura de Campinas


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