A crise no Equador

Por prof. Wagner Romão

Nas últimas semanas, o mundo todo tem se impressionado com a violência explícita no Equador, no conflito entre facções criminosas ligadas ao narcotráfico, o Estado e a sociedade equatoriana como um todo.
Após o assassinato Fernando Villavicencio, candidato à presidência nas eleições de agosto de 2023, o fato que chamou mais atenção foi a invasão de um canal de televisão de Guayaquil, em 9 de janeiro, quando um programa ao vivo estava sendo transmitido. O bando tinha armas de grosso calibre e bombas, e ameaçaram os jornalistas.
O presidente Daniel Noboa, um dos maiores empresários de bananas e outros produtos do país, decretou a existência de um “conflito armado interno” no país e, por essa via, concedeu plenos poderes às Forças Armadas para que elas exerçam total poder para neutralizar os mais de 20 grupos nomeados “terroristas” de narcotraficantes ativos no Equador. No dia 19 de janeiro, foi assassinado o promotor César Suárez, que investigava o ataque ao canal de TV.
O que está ocorrendo no Equador não é apenas uma crise de segurança pública. É uma crise social e política de grandes proporções, que mostra as debilidades das ações do Estado equatoriano com relação ao narcotráfico, ao seu sistema prisional e à capacidade de promover políticas sociais.

A situação no país degringolou por vários motivos, tanto relacionados à própria dinâmica do narcotráfico na região como também por questões político-institucionais.
Na Colômbia, acordos de paz que desmobilizaram as FARC (Forças Armadas Revolucionárias Colombianas), o ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos paramilitares e reconfiguraram o negócio da cocaína na região. País vizinho ao Equador e maior produtor de cocaína do mundo, a Colômbia vem conseguindo ter resultados importantes em conter a violência urbana que caracterizou o país nos anos 1990. Tudo fruto de negociação em escala macro e de ações localizadas nas cidades, que envolvem punição à corrupção na polícia e no Judiciário, ações em policiamento comunitário e ampliação de investimentos em saúde, educação e cultura.
Na pandemia, com o controle mais efetivo do tráfego e da circulação de pessoas por via aérea tornou fez dos portos marítimos a principal saída da cocaína produzida na Colômbia e no Peru para os EUA e a Europa.
Essas mudanças reorientaram o tráfico mais diretamente para os portos de Guayaquil e Manta, no litoral equatoriano, e fortaleceram as gangues locais. Como não há ainda o que poderíamos chamar de “cartel” – isto é, uma efetiva organização do crime com divisão de territórios e lucros, – se instaurou uma competição sangrenta entre as facções. Essa guerra foi potencializada pelo domínio que as facções exercem nas prisões, com centenas de assassinatos dentro delas desde 2021.

Em paralelo, desde 2017, governos neoliberais têm se sucedido no Equador. Primeiro com Lenin Moreno (2017-21), depois com Guilherme Lasso (2021-23) – banqueiro que interrompeu seu mandato de presidente para não sofrer um processo de impeachment por acusações de corrupção, e agora com Daniel Noboa. O país desmantelou sua incipiente rede de proteção social, estabelecida principalmente no mandato de Rafael Correa. Essa ausência do Estado na sociedade equatoriana ficou marcada na pandemia, com o colapso do sistema de saúde e do serviço funerário.
Noboa exerce um mandato tampão, após a renúncia de Lasso. Ele tem menos de 18 meses para tentar se reeleger. Pragmático, está buscando dar um choque de força contra o narcotráfico, ao transferir poder para as Forças Armadas.

Será muito difícil que essa medida possa ter sucesso no médio e longo prazo se não houver mudanças mais profundas. Elas me parecem ser de três ordens:
Em primeiro lugar, descriminalizar o porte de entorpecentes para consumo próprio e focar o combate ao tráfico. As prisões tem ficado entupidas de consumidores que facilmente são aliciados pelas facções e entram no mundo do crime. Aliás, como também acontece no Brasil. Medidas como essas devem ser complementadas com um controle mais rígido sobre os líderes das facções nas prisões. Isso tem a ver principalmente com o combate à corrupção de agentes carcerários.

Em segundo lugar, é preciso punir de maneira dura aqueles agentes públicos (deputados, juízes, procuradores) que forem pegos em conluio com o narcotráfico. Essa medida não depende apenas do Executivo e requer uma forte pressão social para que seja cumprida. Talvez seja a mais difícil, pois ao que parece o crime se enraizou no Estado equatoriano.
Por fim, é preciso conter o neoliberalismo e reconstruir o aparato de proteção social que foi destruído nos últimos governos. A legitimidade do Estado depende de que ele se mostre responsável pela dignidade da vida de seus cidadãos e cidadãs. Se isso não for feito, o narcotráfico vai acabar prevalecendo como meio de vida para jovens que precisam sobreviver.

Wagner Romão é professor de Ciência Política do IFCH – Unicamp

Nas últimas semanas, o mundo todo tem se impressionado com a violência explícita no Equador,
no conflito entre facções criminosas ligadas ao narcotráfico, o Estado e a sociedade equatoriana
como um todo.
Após o assassinato Fernando Villavicencio, candidato à presidência nas eleições de agosto de
2023, o fato que chamou mais atenção foi a invasão de um canal de televisão de Guayaquil, em 9
de janeiro, quando um programa ao vivo estava sendo transmitido. O bando tinha armas de
grosso calibre e bombas, e ameaçaram os jornalistas.
O presidente Daniel Noboa, um dos maiores empresários de bananas e outros produtos do país,
decretou a existência de um “conflito armado interno” no país e, por essa via, concedeu plenos
poderes às Forças Armadas para que elas exerçam total poder para neutralizar os mais de 20
grupos nomeados “terroristas” de narcotraficantes ativos no Equador. No dia 19 de janeiro, foi
assassinado o promotor César Suárez, que investigava o ataque ao canal de TV.
O que está ocorrendo no Equador não é apenas uma crise de segurança pública. É uma crise
social e política de grandes proporções, que mostra as debilidades das ações do Estado
equatoriano com relação ao narcotráfico, ao seu sistema prisional e à capacidade de promover
políticas sociais.
A situação no país degringolou por vários motivos, tanto relacionados à própria dinâmica do
narcotráfico na região como também por questões político-institucionais.
Na Colômbia, acordos de paz que desmobilizaram as FARC (Forças Armadas Revolucionárias
Colombianas), o ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos paramilitares e reconfiguraram o
negócio da cocaína na região. País vizinho ao Equador e maior produtor de cocaína do mundo, a
Colômbia vem conseguindo ter resultados importantes em conter a violência urbana que
caracterizou o país nos anos 1990. Tudo fruto de negociação em escala macro e de ações
localizadas nas cidades, que envolvem punição à corrupção na polícia e no Judiciário, ações em
policiamento comunitário e ampliação de investimentos em saúde, educação e cultura.
Na pandemia, com o controle mais efetivo do tráfego e da circulação de pessoas por via aérea
tornou fez dos portos marítimos a principal saída da cocaína produzida na Colômbia e no Peru
para os EUA e a Europa.
Essas mudanças reorientaram o tráfico mais diretamente para os portos de Guayaquil e Manta, no
litoral equatoriano e fortaleceram as gangues locais. Como não há ainda o que poderíamos
chamar de “cartel” – isto é, uma efetiva organização do crime com divisão de territórios e lucros –
se instaurou uma competição sangrenta entre as facções. Essa guerra foi potencializada pelo
domínio que as facções exercem nas prisões, com centenas de assassinatos dentro delas desde
2021.
Em paralelo, desde 2017, governos neoliberais têm se sucedido no Equador, primeiro com Lenin
Moreno (2017-21), depois com Guilherme Lasso (2021-23) – banqueiro que interrompeu seu
mandato de presidente para não sofrer um processo de impeachment por acusações de
corrupção, e agora com Daniel Noboa. O país desmantelou sua incipiente rede de proteção social,
estabelecida principalmente no mandato de Rafael Correa. Essa ausência do Estado na
sociedade equatoriana ficou marcada na pandemia, com o colapso do sistema de saúde e do
serviço funerário.
Noboa exerce um mandato tampão, após a renúncia de Lasso. Ele tem menos de 18 meses para
tentar se reeleger. Pragmático, está buscando dar um choque de força contra o narcotráfico, ao

transferir poder para as Forças Armadas. Será muito difícil que essa medida possa ter sucesso no
médio e longo prazo se não houver mudanças mais profundas. Elas me parecem ser de três
ordens:
Em primeiro lugar, descriminalizar o porte de entorpecentes para consumo próprio e focar o
combate ao tráfico. As prisões tem ficado entupidas de consumidores que facilmente são aliciados
pelas facções e entram no mundo do crime. Aliás, como também acontece no Brasil. Medidas
como essas devem ser complementadas com um controle mais rígido sobre os líderes das
facções nas prisões. Isso tem a ver principalmente com o combate à corrupção de agentes
carcerários.
Em segundo lugar, é preciso punir de maneira dura aqueles agentes públicos (deputados, juízes,
procuradores) que forem pegos em conluio com o narcotráfico. Essa medida não depende apenas
do Executivo e requer uma forte pressão social para que seja cumprida. Talvez seja a mais difícil,
pois ao que parece o crime se enraizou no Estado equatoriano.
Por fim, é preciso conter o neoliberalismo e reconstruir o aparato de proteção social que foi
destruído nos últimos governos. A legitimidade do Estado depende de que ele se mostre
responsável pela dignidade da vida de seus cidadãos e cidadãs. Se isso não for feito, o
narcotráfico vai acabar prevalecendo como meio de vida para jovens que precisam sobreviver.

Wagner Romão é professor de Ciência Politica do IFCH Unicamp

  • Redação

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