Na noite do dia 30 de dezembro de 1953 o primeiro posto de gasolina “Shell” de Barão Geraldo foi depredado e apedrejado. Não foram estudantes nem “terroristas” ou “black blocs”, etc. Mas trabalhadores rurais que viviam da venda de suas plantações e o pouco que ganhavam era para o sustento da família. De manhã (no mesmo dia), um ônibus lotado e vários carros saíram do mesmo posto rumo ao prédio da Assembléia Legislativa que funcionava no Palácio das Indústrias, Pq D.Pedro em São Paulo. O objetivo era assistir à promulgação do decreto lei 2456-53, sancionado pelo governador em 28 12 53, determinando o novo quadro territorial, administrativo e jurídico do Estado (como determinava a “Lei Quinquenal” de 1952) , e que declarava Barão Geraldo como distrito de Campinas, porém com nova e equivocada denominação : Barão “de” Geraldo. Nesse ônibus estavam vários dos descendentes dos primeiros moradores e das famílias de Barão Geraldo incluindo Salomão Mussi, o chefe da estação Joaquim Prado , o ferreiro e líder comunitário Hélio Leonardi, os comerciantes Gebrael Mokarzel, Nicolau Pacci, José Pacci, Agostinho Páttaro, Guerino , José “Moranguinho”, o primeiro vereador local, Guido Camargo sua esposa Nura Mussi Penteado e diversas outras pessoas. O prédio da Assembleia estava lotado pois eram centenas de distritos criados. Após discurso do presidente dep. Leônidas Camarinha e do governador Lucas Garcêz, Hélio Leonardi -autor do abaixo assinado solicitando a “elevação”, recebeu a cópia da lei assinada das mãos das autoridades. Após a promulgação e festejos comemorativos oferecidos na Assembléia, com fotos e homenagens, a caravana retornou a Barão à noite e quando chegaram ao posto de onde haviam partido – que era de Guido Camargo e seu cunhado Mussi Mussi – se depararam com a depredação. Além das vidraças e janelas quebradas por pedradas, a placa com o logotipo da Shell, a cobertura, vários móveis, utensílios , bombas etc foram derrubadas ou apedrejadas. Evidentemente até hoje ninguém sabe quem foram os autores do vandalismo. Mas boquiabertos, os moradores da comissão atribuíram o vandalismo aos vários proprietários que eram contra a “elevação” de Barão Geraldo a distrito, porém deixaram para trás pois tinham que preparar o Ano Novo com suas famílias.
O movimento começara em 1952 quando Guido e Hélio planejaram organizar uma comissão de moradores. Em Abril de 53, o abaixo assinado foi enviado para a Assembléia. Porém houve reação de uma parte da população de Barão. Liderados por Max Wunsche fizeram novo abaixo assinado e foram reclamar contra o distrito na Câmara Municipal . Houve intenso debate mas a Câmara nada podia fazer. O prefeito de Campinas, Mendonça de Barros ora apoiava o distrito, ora foi contra. Mandou uma solicitação para a Câmara e para a Assembléia com argumentos contrários, mas que porém não foram aceitos nem pela Câmara nem pela Assembléia. E no dia 30-10 a Assembléia aprovou a “elevação”.
O tempo foi passando e aos poucos todos foram se adaptando e acabaram aceitando a criação do distrito. Pois depois dessa data ninguém organizou nenhum movimento para que Barão deixasse de ser distrito. Pelo contrário, além da data passar a ser a data oficial de Barão (que antigamente era comemorada pelos diversos subprefeitos ao longo do tempo), logo surgiu um forte movimento pelo progresso local, isto é, para trazer outras indústrias e fábricas, novas estradas, escolas, linhas de ônibus, instituições , fortalecimento do comércio local e pela ampliação da economia imobiliária a partir da loteação dos diversos sítios. Já havia, desde 1952 a proposta da Cidade Universitária ser construída em Barão (no que hoje é o Campus I da Puccamp) que foi sendo acertado com o tempo. Em 1959 foi construída a estrada Campinas a Cosmópolis, passando por Barão e acertada a retirada da linha da Sorocabana. Também foi o ano em que a Fazenda Rio das Pedras foi vendida para João Adhemar de Almeida Prado e que se iniciou a construção da nova Paróquia de Santa Isabel atual, inaugurada em 1963.
Isso impulsionou um novo movimento – também liderado por Hélio Leonardi , agora juiz de paz e vários outros daquela comissão (como Mussi, Prado, Pacci, Guerino etc) a lutar pela “elevação” de Barão Geraldo a município assim que fundada a Unicamp em 1966. E assim, novamente foi criada outra divisão entre os moradores. A fundação do campus em 1968 (que foi como se fosse um grande “disco voador” a pousar num antigo bairro rural) e o crescente expansionismo da Unicamp no distrito, acabou por criar uma fortíssima divisão não apenas territorial e econômica em Barão, como também uma divisão ideológica de seus moradores e também de projeto político de desenvolvimento e que perdura até hoje: De um lado, baronenses donos dos terrenos, descendentes dos fundadores, que lutam pelo crescimento e pelo “progresso” e que praticamente só possuem seus imóveis e comercio e vivem deles. De outro lado, novos moradores (universitários engenheiros, médicos, cientistas muitos com experiencia internacional) e que compraram seus lotes atraídos pela promessa imobiliária de um local bucólico, pacato, com alta qualidade de vida, muito verde , afastado das grandes cidades, entre duas fazendas, sem poluição, sem carros, sem muitas pessoas e violência. Mas com a fundação da REPLAN em Paulinia e da nova rodovia (o Tapetão) , da CEASA , do CPqD, de diversas fábricas em Barão, da nova rodovia D Pedro e dos crescentes loteamentos (em meio ao apoio irrestrito ao regime militar) e o projeto estratégico militar da Cidade Tecnológica – a CIATEC – durante os anos 1970 e 1980, cresceu e preparou-se cada vez mais o projeto de transformação de Barão Geraldo em município, com criação de Hino, de desfiles de 7 de Setembro , Dia da República e da Bandeira e a “Volta da Independência”, etc, a proposta de municipalização de Barão atingiu o seu auge, tendo mais 3 solicitações feitas à Assembléia. É claro que haviam diversos moradores contrários ao municipio, embora minoria.
Porém, o constante adensamento populacional e o crescimento assustador de novos moradores nos anos 1980 e 90 – totalmente desconhecedores de Barão e sua bela historia, sem nenhuma identidade com o local e apenas informados pela grande mídia – começou a virar o jogo: agora, a grande maioria era contra o “progresso” e o crescimento, pela preservação ambiental do que resta, contra novos loteamentos e adensamento populacional e exigem o que lhes foi prometido. Mas desinformados, questionam também a ideia de novo município: é “gastar mais dinheiro”, ou “nem pensar só serve para roubar!” além de outros argumentos irreais como falta de água, a Unicamp etc. Enfim, enquanto os descendentes dos primeiros moradores apoiavam os militares e a maioria é politicamente mais defensora de um governo de direita, os novos moradores são mais elitistas, ambientalistas e sociais democratas, sendo uma minoria de “esquerda”.
É importante lembrar que a história de Barão é marcada pela divisão polarizada e conflituosa de sua população desde antes de existir: primeiro, o grave conflito entre o barão Geraldo e seu cunhado Albino José em 1902 apos o falecimento de Maria Amélia e o que isso sucedeu (inclusive com o falecimento de ambos com meses de diferença entre 1908 e 1909) . Depois com o movimento pela primeira tomada de luz , vinda da Santa Genebra em 1935 , também liderada por Horácio e Hélio Leonardi – à qual vários sitiantes, como José Martins, Manecão, Ibrahin Feres, e outros não aceitavam e não queriam pagar o rateio, causando um grande conflito entre moradores. Depois, após a vinda da Rhodia, a briga de Agostinho Páttaro pela divisão de seu sítio com a prefeitura em 1947 e a criação da atual avenida Santa Isabel – o que novamente gerou vários conflitos – e que se intensificaram com a primeira iluminação de Barão pela Força e Luz em 1949 – também encabeçada por Hélio Leonardi – a contragosto de diversos moradores que não queriam mais gastos com luz. Houve agressões e inúmeras ameaças a Leonardi. Mas com o tempo…. impossível viver sem luz.
Atualmente Barão Geraldo vive uma nova dualidade entre suas principais formas de economia: de um lado, a economia imobiliária que se tornou necessária com a vinda da Rhodia e depois os milhares de outros empreendimentos que se seguiram, ampliou-se para bem além de suas fronteiras iniciais (rios Anhumas, Quilombo, etc) , chegado à divisa com Jaguariúna e a Estrada para Mogi, mas que hoje atingiu o ápice de sua contradição: se se transformar num novo e grandioso centro urbano como o de Campinas , com somente prédios inúmeras vias e algumas praças, onde vai parar toda a bela história e cultura de Barão Geraldo, de seu gentílico, sua bela vegetação e ambiente e sua forte identidade? Para essa economia e sua concepção progressista, impensável se pensar em emancipação que já foi esquecida até mesmo pelos filhos e netos dos baronenses que muito lutaram por isso.
De outro lado, uma proposta em evolução crescente de uma nova economia (isto é uma nova forma capitalista de ganhar dinheiro), baseada na cultura popular, na educação e no turismo rural e ambiental, nas ecovilas, nas cantinas e bares, nos teatros, escolas de dança e esportes, escolas de cinema fotografia e vídeo, escolas ecológicas, cultura vegana, saraus e shows, pluralidade religiosa, uma cultura alternativa de inspiração oriental, Centros Culturais, Pontos de Cultura, novas alternativas de Lazer para as crianças, ampliação dos calçadões e redução de carros. E fundamentalmente com a desapropriação da Fazenda e criação do Parque Rio das Pedras que deveria ser voltado para a educação, cultura e o turismo ecológico, para uma nova forma de viver com mais harmonia com meio ambiente e novas formas de geração de renda sim. Tal proposta é contra a economia imobiliária porém desconhece a Historia de Barão Geraldo (a não ser o que é minimamente divulgada pela prefeitura e mídia de Campinas) , seu riquíssimo patrimônio histórico , porque vieram sobretudo através da Unicamp que nunca se preocupou com Barão e despreza e desconhece a municipalização. E essa proposta é basicamente a que se projetou e se faz em Joaquim Egidio , Souzas, Paranapiacaba, e outras pequenas cidades no entorno de gigantes.
Porém, mesmo que baseada na cultura ambiental, na vida pacata do interior, sempre ligada à vida rural e relacionamento com animais, etc essa nova proposta de economia é extremamente ligada ao mercado, as necessidades de uma boa parcela das classes médias (medias mesmo) e altas. Ela até admite um uso mínimo de veículos, um shopping talvez alternativo, casas de música e shows (embora ainda haja esse problema seríssimo em Barão) outras formas de comércio nos campos de educação, artes, cultura, gestão de lixo e recursos, energias alternativas (painéis solares, eólicos, bicicletas com retentores) feiras de arte artesanato etc. Mas necessita SIM investir na História local, na arte e cultura, em educação e Economia Criativa para que tenha retorno…. Enfim ao completar 62 anos , Barão precisa enfrentar e decidir se continua com a economia imobiliária e se integra definitivamente a Campinas (esquecendo suas histórias únicas e todas as suas especificidades locais) ou se esquece isso e muda e investe na Economia criativa, no turismo cultural e ambiental que – não se enganem é e será extremamente lucrativo (ao longo do tempo é obvio) e provavelmente superará e muito a economia imobiliária da qual alias não poderá abrir mão.
Creio que não seja necessário um novo e corajoso Helio Leonardi ou pessoa é claro , mas uma outra concepção de amor pelo local (o antigo sentido do termo grego “pátria”, local de nascimento que nos direcione para uma nova etapa e – porque não ? – uma nova concepção de “progresso” (fundado no não adensamento de imóveis, moradores e carros e no convívio não predatório com animais e a natureza e não poluente ) que unifiquem descendentes dos fundadores com os descendentes dos primeiros moradores da Cidade Universitária e bairros posteriores. E que em grande parte desejam ardentemente isso . Não só para Barão mas para todo o pais.
E na minha opinião isso é impossível se Barão não for um município com uma OUTRA proposta de política: com salários de políticos reduzidos, governo eletrônico e descentralizado, plena vigilância e prioridade absoluta para a cultura, o turismo e a educação ambiental, a preservação ambiental e histórica e uma qualidade de vida tirada da imaginação coletiva para a prática. Que Barão Geraldo não desapareça como os bairros do centro de Campinas….
Veja a Lei que criou o distrito de Barão Geraldo no link abaixo
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1953/lei-2456-30.12.1953.html
Warney Smith é historiador, sociólogo e autor do livro “Barão Geraldo a Luta pela autonomia ” a ser publicado
Muito legal! Aguardo ansiosamente a publicacao do livro. Sabendo a historia fica mais facil cultiva-la!