No ultimo dia 11 de agosto, o presidente Lula anunciou o lançamento de um novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que irá investir quase R$ 8 bilhões em vários novos empreendimentos de ciência e tecnologia. Um dos projetos contemplados será um novo laboratório de máxima contenção biológica, chamado “Laboratório de Biossegurança Máxima (NB4 – abreviação de nível de biosegurança 4, que é mais alto que existe)” para fazer pesquisa com patógenos (virus).
Com o nome de “Órion”, o laboratório será construído ao lado do acelerador de partículas Sirius dentro da área do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais). Esse laboratório custará R$ 1 bilhão, e será o primeiro da América Latina. E segundo o CNPEM será a primeira vez em todo mundo que uma estrutura de alta tecnologia estará conectada a uma fonte de luz sincrotron, o Sirius. Com esse laboratório o Brasil se juntará aos diversos países que dispõem de condições para lidar com patógenos que podem causar doenças graves, incluindo os que ainda podem vir a surgir.
Financiado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o novo complexo laboratorial terá cerca de 20 mil metros quadrados e incluirá uma proposta inédita na história dos síncrotrons e dos laboratórios de biossegurança em todo o mundo: uma conexão com três linhas de luz do Sirius. Devido a esta conexão, o Projeto recebeu o nome Orion, em homenagem à constelação que possui três estrelas apontadas para a estrela Sirius.
Além de laboratórios de segurança de níveis NB3 e NB4 – e as estações de pesquisa interligadas ao acelerador de luz síncrotron, o Orion deve ter ainda laboratórios de pesquisa básica, de técnicas analíticas e competências avançadas para imagens biológicas, como microscopias eletrônicas e criomicroscopia.
A estrutura, que deverá ser certificada internacionalmente, possibilitará condições para pesquisas sobre doenças causadas por patógenos ou vírus que podem causar doenças graves e alto grau e transmissibilidade (das classes 3 e 4, da Classificação de Risco dos Agentes Biológicos). Como exemplo de doenças nessas categorias estão o Ebola e aquelas causadas por vírus da Coronaviridae – sim, os coronavírus, como o SARS-CoV-2 (causador da Covid-19). O Projeto também contribuirá para a formação de recursos humanos no Brasil a serem capacitados para lidar com agentes infecciosos desse tipo. Os requisitos e os programas científicos do Projeto vêm sendo estruturados a partir do debate com diversas entidades de pesquisa e saúde do país, envolvendo pesquisadores da comunidade científica nacional e internacional, além de órgãos públicos, como o Ministério da Saúde.
O projeto orçado em cerca de 1 bilhão de reais, incluindo recursos humanos, deve ser instalado até 2026. Concluída a fase de construção, o complexo passará pelas fases de comissionamento técnico e científico e de certificações internacionais de segurança, para que então possa entrar em operação regular.
“Esse investimento renova o reconhecimento do MCTI e do Governo Federal pelo valor estratégico dos projetos que o CNPEM vem desenvolvendo ao longo de tantos anos. Estamos trabalhando para fortalecer o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação através da disponibilização de infraestruturas competitivas para dar respostas aos mais desafiadores problemas que a sociedade enfrenta atualmente e para aqueles que ainda estão por vir”, avalia Antonio José Roque da Silva, Diretor-Geral do CNPEM.
“A pandemia recolocou no centro do debate a importância do domínio nacional de uma base produtiva em saúde, bem como o papel do Estado na coordenação de agentes e investimentos no enfrentamento da crise sanitária. Nesse contexto, a implantação do laboratório de biossegurança nível 4 é estratégica para o país. E a conexão entre o NB4 e a fonte de luz síncrotron abrirá grandes oportunidades de pesquisa e desenvolvimento na área de patógenos, posicionando o Brasil como liderança global”, afirmou a ministra Luciana Santos.
Os laboratórios de biossegurança
Segundo informou o CNPEM, existem no mundo atualmente cerca de 60 laboratórios de máxima contenção biológica, nenhum deles na América do Sul, Central ou Caribe. Esse tipo de infraestrutura reúne uma série de medidas avançadas e redundantes de proteção e biossegurança, que possibilitam a manipulação de vírus enquadrados na Classe 4.
O primeiro e único vírus desta categoria identificado no Brasil foi o Sabiá (SABV), causador da febre hemorrágica brasileira – doença diagnosticada em humanos na década de 90 e com recentes novas notificações. Embora descoberto no Brasil, as amostras isoladas do vírus SABV atualmente estão armazenadas no exterior. Pesquisas mais aprofundadas sobre a doença não podem ser executadas no País devido à falta de infraestrutura adequada.
Além do SABV, diversos outros vírus devem ser manipulados em infraestrutura NB4, como outros arenavírus circulantes na América Latina: Junín – causador da febre hemorrágica Argentina, Guanarito – causador da febre hemorrágica Venezuelana e Machupo – causador da febre hemorrágica Boliviana. Casos de doenças causadas por patógenos deste tipo são realidade em diferentes pontos do planeta, inclusive no Brasil. Apesar disso, nenhum país latino-americano possui condições para monitorar, isolar e pesquisar esses agentes biológicos, tampouco para desenvolver métodos de diagnóstico, vacinas e tratamentos.
A Dra. Maria Augusta Arruda, Diretora do Laboratório de Biociências (LNBio) do CNPEM, lembra que além de patógenos já conhecidos estarem em constante mutação (o que pode, ao acaso, levar a variantes de maior risco à saúde), o crescimento populacional e o desmatamento desequilibram áreas que podem ser reservatórios naturais de doenças ainda desconhecidas.
“Está em nossa memória recente o esforço para se encontrar uma maneira de controlar a pandemia de Covid-19 – o que não se observou na mesma intensidade quando outras infecções de altíssimo risco ficaram confinadas às regiões mais pobres do Sul Global, como o Ebola”. – disse Arruda.
Segundo ela, o Orion será também um instrumento de soberania, nos possibilitando determinar nossas prioridades nessa área estratégica. “Sem um NB4, continuaremos dependendo de colaborações com outros centros de pesquisa dos países mais ricos, nos privando não só de agilidade no desenho de estratégias para mitigar os efeitos deletérios desse possível agente etiológico, mas também no acesso de nossa sociedade ao desenvolvimento científico-tecnológico decorrente”, diz Arruda.
Como serão os estudos de patógenos
O acelerador de partículas Sirius, a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no País, utiliza aceleradores de elétrons para produzir um tipo especial de luz, chamada, luz síncrotron. Essa luz é utilizada para investigar a composição e a estrutura da matéria em suas mais variadas formas, com aplicações em praticamente todas as áreas do conhecimento. Em uma fonte de luz síncrotron, os experimentos são realizados em estações de pesquisa, chamadas linhas de luz, onde é possível observar aspectos microscópicos dos materiais, como os átomos e moléculas que os constituem, seus estados químicos e sua organização espacial, além de acompanhar a evolução no tempo de processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em frações de segundo.
O Sirius foi projetado para receber até 38 linhas de luz, dedicadas a diferentes técnicas e aplicações. Dessas, três estações de pesquisa serão conectadas ao complexo laboratorial Orion – uma empreitada inédita no mundo. Segundo o Diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do CNPEM, responsável pela operação do Sirius, Harry Westfahl Jr., as linhas de luz integradas ao Orion serão projetadas para permitir estudos de materiais biológicos em diferentes escalas. “Essas estações de pesquisa permitirão extrair informações estruturais quantitativas a respeito dos sistemas infectados, desde o nível subcelular até o nível de organismo. Essas linhas serão os principais instrumentos de pesquisa para cientistas testarem hipóteses sobre os mecanismos de infecção, observando através de imagens tridimensionais como se dá a cascata de fenômenos que levam ao desenvolvimento de doenças geradas por patógenos de classe 4”, explicou Westfahl Jr.
Ao fornecer imagens 3D em diferentes escalas, as linhas de luz acopladas ao Orion permitirão desde o estudo celular em escala nanométrica, passando pela dinâmica de inflamação nos tecidos e danos aos órgãos, até o acompanhamento do processo de infecção no organismo como um todo. Orion disponibilizará as condições para que patógenos, células, tecidos e organismos sejam pesquisados de forma segura, o que torna possível a compreensão dos fenômenos biológicos relacionados ao desenvolvimento das doenças e guia o desenvolvimento de futuros métodos de diagnóstico, vacinas e tratamentos.
A exemplo das demais estações de linha de luz atuais do Sirius, as três destinadas ao projeto Orion também receberam nomes inspirados na fauna e flora brasileiras. Serão elas: “Hibisco”, “Timbó” e “Sibipiruna”.
Apesar dos desafios inerentes à condução de um projeto inédito no mundo, a experiência e as competências adquiridas na implantação do Sirius, tanto em gestão quanto no desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras, conferem confiança e motivam as equipes interdisciplinares do CNPEM envolvidas no Projeto Orion.
“O aspecto fundamental da experiência com o Sirius em relação ao Orion é a similaridade das soluções técnicas, que priorizam segurança e confiabilidade. A nacionalização de soluções e o conhecimento em projetar os subsistemas também trazem benefícios ao Projeto Orion, o que reduz custos de implantação, diminui as incertezas, fomenta a inovação e possibilita uma operação mais transparente, planejada e segura. O Sirius inaugurou no País a construção de grandes instalações científicas competitivas mundialmente, e o complexo laboratorial de máxima contenção biológica será viabilizado nos mesmos moldes”, comenta James Citadini, Diretor de Tecnologia do CNPEM.
O Sirius também estará contemplado no novo PAC do governo e receberá recursos nos próximos quatro anos para a segunda fase do projeto, que inclui a construção de dez novas estações de pesquisa, além da otimização das instalações.
Capacitação de recursos humanos
Paralelamente às obras e aos desenvolvimentos tecnológicos do Projeto Orion, o CNPEM irá conduzir um programa nacional de treinamento e capacitação em infraestruturas de alta e máxima contenção biológica, voltado à formação de recursos humanos em competências ainda pouco desenvolvidas no Brasil e nos demais países da América Latina.
A estrutura do programa de treinamento inclui parcerias com instituições internacionais de referência para treinamento de pesquisadores brasileiros em laboratórios NB4 do exterior. O programa terá ainda capacitações realizadas no Brasil, com atividades práticas em ambiente-modelo (Laboratório Mockup) no CNPEM em condições simuladas, sem a manipulação de materiais infecciosos ou risco de contágio, sob supervisão de profissionais capacitados para avaliar as habilidades individuais dos pesquisadores para lidar com as condições estabelecidas nos protocolos de biossegurança.
(AB)