Crianças brincando numa goiabeira, flautistas, pianistas e violinos tocando na vizinhança, um jardineiro que passa de bicicleta, cantando alto, gambás passeando nos fios, o lusco-fusco dos finais de tarde, a apoteose de um pôr do sol, passarinhos cantando nas árvores em meio ao caos da cidade, personagens encantados, o ritual da macela, na madrugada da Sexta feira Santa
É assim o primeiro livro que o jornalista Jorge Massarolo acaba de lançar em ebook: “Histórias Memórias” é uma coletânea de artigos, crônicas e histórias publicadas pelo jornalista em seu blog e jornais. O livro reúne pequenos momentos da vida que se eternizaram, além de vários “causos” e memórias, quase fantásticas, que ele viveu, seja em sua cidade natal – Barão de Cotegipe, no Rio Grande do Sul, seja em Barão Geraldo ou Campinas. E especialmente na Vila São João, onde veio morar com sua esposa, a pianista Chris Cardoso, a partir de 1990, e onde vive até hoje. E foi graças a essa mistura de culturas e tradições, ou da tranquilidade e “magia de interior” da Vila São João com a “loucura” da cidade grande, que ele trata com um olhar divertido e melancólico vários momentos que se tornaram imortais em sua vida, relatando fatos e histórias curiosas.
“Histórias Memórias” é feito de casos leves e engraçados, com personagens que não são pessoas específicas, mas principalmente lembranças de fenômenos da natureza, causos, rituais e costumes, mostrando um lado mais fantasioso ou lúdico da realidade vivida, como rituais sagrados, rezas contra raios e trovões, ruas de terra, casas de madeira, a goiabeira na praça Maria Mulamba, os “duendes” da Vila São João, o encantamento com a Vila, a claridade de Campinas o por do sol na Fazenda ao lado da Vila, ou a importância do fogão a lenha no dia a dia gelado do Sul …
Além desses “personagens”, há outros contos e lembranças da adolescência. “tem coisas engraçadas, por exemplo, como a história do roubo do sino de uma igreja, ou de quando se vendia bergamotas (ou tangerinas) por baciada, ou quando um produtor de jabuticaba cobrava bem barato para colher a vontade. E a gente ficava o dia inteiro brincando e comendo, brincando e comendo. Coisas de criança típicas lá do Sul.” . Tem também a história do boiadeiro de Candiota -RS que “laçou um avião” que fazia rasantes na fazenda onde ele trabalhava. E é uma história verídica, segundo ele, que ja saiu na antiga revista “O Cruzeiro” e até rendeu prêmio.
Outras histórias são tradições típicas, como o costume de acordar as crianças na madrugada de temporais, para rezar ( o que dava muito medo), ou como o ritual da colheita da erva “macela” na madrugada da Sexta Feira Santa, “…meu pai me acordava de madrugada da Sexta feira da Paixão para sair pelos campos, ainda com geada, para colher a macela. Pois segundo a tradição tinha que ser colhida antes do sol nascer para ela manter as propriedades medicinais dela, mesmo depois de secar. Era usada para chás quando havia algum problema de estômago. É um remédio sagrado lá. E desde 2002, se não me engano, a macela foi instituída como planta símbolo do Rio Grande do Sul”. Massarolo lembra aqui que a a planta foi objeto de pesquisa de suas propriedades medicinais e que, quando publicou esse conto, muita gente o procurou.
Mas as histórias do livro trazem também melancolia ao mexer com lembranças de familiares e amigos, da vida comunitária e de seus personagens. Segundo Jorge , não foram nem saudades que o motivaram a escrever. Mas as muitas lembranças “De repente você começa a escrever e vem uma coisa puxa outra…. E aí quer colocar tudo“. Há, por exemplo, o caso do entregador que procurava um endereço na Vila São João, e papo vem, papo vai, começou a contar sua historia e logo passou a chorar de saudade da família: “Ele estava com tanta saudade que, na minha frente, (eu) um desconhecido, ele começou a chorar . E achei isso muito impactante e transformei no conto é “Lagrimas pelo Ceará” que está no livro”
Um livro saboroso, leve, “de boas histórias em torno do fogão a lenha“, para ler ao entardecer, acompanhado de uma boa conversa, enfim
Um baita profissional
Jorge Luiz Massarolo nasceu em Barão de Cotegipe, Rio Grande do Sul em 1961, cidade em que vivenciou vários dos contos narrados em seu livro. Entre 1980 e 84 cursou Jornalismo na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) em Florianópolis, onde trabalhou num jornal de Cooperativa na cidade e também no jornal “O Estado” (o maior de Santa Catarina) até 1988 quando veio trabalhar na Agência Folha, da Folha de São Paulo e depois passou para o Jornal da Tarde ate 1990. E foi em 1988 quando veio a Campinas, que acabou conhecendo sua atual esposa com quem veio morar , na Vila São João em 1990 Depois disso trabalhou no Diário do Povo, Correio Popular, Gazeta Mercantil, EPTV e na Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Campinas – quando trabalhou como assessor de imprensa no Hospital Mário Gatti.
Ele trabalhou mais com o Jornalismo econômico , que sempre gostou mais, e durante algum tempo com avaliação de motocicletas e outros veículos e também para seu blog pessoal.
Como nasceu o livro
Segundo Jorge, “Histórias Memórias” começou quando ele trabalhava no Correio Popular.. Lá ele conseguiu uma coluna semanal onde toda quinta publicava uma história. As primeiras publicadas foram justamente as lembranças de Barão de Cotegipe e para sua surpresa a reação foi muito boa, gerando declarações de identificação e curiosidade. “Então eu guardei algumas dessas crônicas e durante a quarentena, comecei a vasculhar as gavetas e arquivos e conclui que estava na hora de reuni-las e publicar. Foi dai que surgiu a ideia de lançar o livro“
Quando trabalhou como assessor de imprensa no Mario Gatti , entre 2004 e 2009 e motivado pelas várias histórias de pacientes, começou a escrever lá também e depois continuou no Correio. Nessa época ele já tinha seu blog onde também publicou parte dessas histórias
Massarolo diz que sempre leu muitos textos e livros mas que não teve nenhuma influência de autor em específico. Sua influencia literária seria “um resumo de tudo oque li” Ele diz que ama crônicas, histórias curtas que flagram um momento da vida de um personagem e te levam a pensar de pensar e outras formas e coisas é muito legal de escrever. Uma das referências sempre foi o o escritor Érico Veríssimo “Mas também gosto muito de Balzac, Tolstoi, qualquer leitura bastante variada que cai na mão leio”.
Ele pretende no futuro escrever outro livro , de um ponto de vista “mais genérico”. “Já tenho vários outros escritos sobre Campinas, que futuramente pretendo lançar”
Barão Geraldo: cidade grande
Uma das primeiras crônicas é sobre as auroras dos finais de tarde quando “há algo mais no ar” originado de um fim de tarde, bem no centro de Barão Geraldo , com o movimento de carros, luzes , o lusco fusco da passagem do dia para a noite , ou como o por do sol que é fantástico em muitos lugares de Barão. “Foram muitas dessas belezas do cotidiano que me motivaram a escrever”
Para ele, Barão Geraldo cresceu muito e hoje não difere muito de outras cidades médias do pais Na Vila São João é que tem mais um clima de interior . “Se a vila manteve suas características Barão cresceu e mudou em vários sentidos . Dá pra ver a confusão que é a Estrada da Rhodia devido aos diversos condomínios que foram construídos. E esse crescimento provoca um estrangulamento do trânsito no distrito Mas nada drástico. Barão também ganhou mais vida, mais serviços , mais lazer. É um lugar muito gostoso de se viver “
Vila São João : uma vila encantada
Mas aqui vale muito a pena colocar o que Massarolo pensa de seu bairro – a Vila São João – palco de várias historias do livro. A Vila São João é ainda, realmente, um rincãozinho encantado de Barão e que se diferencia no distrito. E é a manutenção de suas características originais que dão essa impressão. Morador ha 30 anos no bairro, ele conta que ele continua do mesmo jeito que conheceu. Com suas ruas de terra, árvores e que ainda tem vários moradores antigos convivendo com novas repúblicas que são montadas todos os anos.
“A Vila era desse jeito assim , quando a conheci em 1990. Super tranquila. Gostei logo de cara porque eu vim do interior, do mato tambem. E São Paulo, aquela loucura toda não me agradava E vir para cá foi como retornar às origens.”
Jorge lembra que muitas pessoas , sobretudo quando vêm de São Paulo, ficam encantadas com a Vila, dizem que é um lugar maravilhoso justamente por manterem as ruas de terras, a grande quantidade de árvores e o encantamento de poder curtir o bairro, andar descalço na terra, na praça, caminhar…
Além disso a Vila São João tem seus becos encantados: o “Beco dos Sacis, o Beco das Fadas, o beco dos gnomos. E como ele mesmo diz em um de sues contos que esta no livro “Aqui ta cheio de duendes Não consigo vê-los mas eles estão ai tocando musica, fazendo festa à noite, brincando e cantando ”
E a Vila tem sua praça principal gramada , palco de muitas brincadeiras, conversas, festas e shows: mais conhecida pelos antigos como Praça da Maria Mulamba. (que hoje tem um nome oficial) E Jorge conta o porque do nome: “A Maria Mulamba era uma velha cachorra vira lata da antiga moradora Natália, que era ainda da época que a Vila tinha muito cachorro solto e todos brincavam aqui. Havia também uma cachorra chamada “Rosinha” que vivia na rua brincando com as crianças. ”
Jorge diz que outro dos personagens da Vila São João que está no livro são os gambas , “A vila esta cheia de gambás que andam nos fios, entram nas casas, andam pra todo lado e também dão esse ar de encantamento. Eles também viram crônica no livro.
Outra manifestação da Vila é a tradicional Festa de São João. Segundo Jorge essa festa começou num dos Becos. E aí foi crescendo, crescendo e agora a praça fica lotadíssima de gente, “Tem que trancar as ruas para os carros não passarem”. Ele lembra que a “mesa de comes e bebes” trazidos pelas pessoas, era colocada embaixo da goiabeira que é um dos personagens do livro.
Enfim para o “memorioso” Jorge, na Vila São João ha uma mistura, um portal entre a natureza da fazenda de um lado da vila e o transtorno dos carros , do trânsito , do outro lado, na Estrada da Rhodia:
“Uma coisa que sempre me impressionou aqui em Campinas foi a claridade do dia. E um céu claro com poucas nuvens. Quando morei em Floripa lá tinha altos contrastes com dias abertos e dias fechados. Mas aqui o tempo está sempre aberto. Quase sempre tá bonito. Dias claros. Foi uma coisa que percebi quando cheguei aqui. Voce sai do cinzento de São Paulo por exemplo, e chega aqui percebe logo essa claridade , com sol forte, bonito e muita luz.“
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Arney Barcelos