por Patrícia Mariuzzo
A cobertura vegetal da cidade de Campinas é constituída por fragmentos isolados, em geral bastante degradados. Neste contexto, os corredores ecológicos – faixas de vegetação homogêneas e lineares – desempenham uma função primordial. Ao conectar os remanescentes florestais, reduz-se a fragmentação entre eles, possibilitando o fluxo genético entre populações da fauna. Qual a importância dessas e das demais áreas verdes presentes na Fazenda Argentina e no território do Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS)? Como a ocupação da Fazenda Argentina vai impactar este patrimônio?
Foi para discutir propostas para a ocupação e a regeneração da Fazenda Argentina que a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) reuniu pesquisadores, professores e funcionários da Universidade e da Prefeitura de Campinas no dia 16 de dezembro. “A aquisição da Fazenda Argentina é uma oportunidade de buscar novas relações com o meio ambiente. Temos que refletir sobre a ocupação deste espaço com água, animais e pessoas. É o que estamos iniciando com este workshop”, afirmou Silvia Maria Santiago, Diretora Executiva de Direitos Humanos.
Nas proximidades do HIDS há dois parques lineares: o Parque Ecológico Hermógenes de Freitas Leitão Filho e o Parque Linear Ribeirão das Pedras. A criação desses Parques possibilitou a formação de um corredor ecológico com 10 quilômetros de extensão entre bairros, centros comerciais, Unicamp e campus 1 da PUC-Campinas. Há fragmentos de vegetação natural, alguns já tombados, como a Mata Santa Genebra e a mata do Sítio São Martinho, Áreas de Preservação Permanente (APP). O perímetro do HIDS abrange grande parte do Núcleo de Conectividade Santa Genebra e abriga o Corretor Ecológico “Mata Santa Genebrinha – APP Ribeirão Anhumas”, estabelecido pela Resolução Municipal nº 13 de 2016, que conecta as áreas de vegetação nativa desta região.
No entanto, embora oficializadas (em resolução municipal), não há conexões reais entre essas áreas. “Falta arborização ao longo dos corredores, há passadores de fauna sendo cruzados pelo sistema viário e descontinuidade das rotas de fauna entre fragmentos de vegetação”, explicou a arquiteta, urbanista e coordenadora do Plano Diretor da Unicamp, Thalita dos Santos Dalbelo. Segundo ela, já existe um plano de ação para conectar as áreas de preservação e os polígonos de compensação do campus Zeferino Vaz e da Fazenda Argentina. Essa conexão, que incluiria os fragmentos de vegetação da área externa à universidade, permitiria o fluxo gênico de fauna e flora através de passadores de fauna, de plantio e manutenção de vegetação nos corredores ecológicos, com seu cercamento e sinalização. “A ideia é executar esse plano em parceria com a Divisão de Meio Ambiente (DMA), mas dependemos de recursos para implementar o projeto executivo e, depois, para o plantio de árvores, para o cercamento do corredor, para as obras dos passadores de fauna e, finalmente, para a manutenção”, aponta a arquiteta.
O passado e o futuro – A conectividade entre os fragmentos de vegetação e entre as duas microbacias – a do Anhumas e a do Rio das Pedras – deve contribuir para a sobrevivência de diversas espécies. “É fundamental avaliar os erros do passado ao expandir a área que ocupamos”, observou o veterinário Paulo de Tarso, coordenador do Centro de Monitoramento Animal (CEMA-DMA). A canalização de córregos e as edificações em áreas próximas a nascentes (e, portanto, alagáveis) são dois exemplos. Paulo chamou atenção também para a necessidade de manutenção da flora, com plantio de espécies nativas, o que atrai uma fauna diversa que inclui capivaras, pacas, cachorros do mato, coelhos, veados e aves.
O professor e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Herling Gregorio Aguillar Alonzo, defendeu ampliar as discussões sobre o desenvolvimento sustentável na Unicamp, incluindo mais atores, para refletir sobre a ocupação da Fazenda Argentina. “Temos que aumentar as áreas verdes e não somente manter o que já temos”, disse.
Até 2018, segundo a legislação de uso e ocupação do solo, Campinas tinha 2/3 de área rural e 1/3 de área urbana. No entanto, conforme explicou Sueli Thomaziello, da Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ainda que os estudos então apontassem haver em Campinas espaços vazios no perímetro urbano suficientes para o crescimento populacional dos 50 anos seguintes, as pressões do setor imobiliário foram tão fortes que acabaram resultando na alteração da lei de ocupação e uso do solo, invertendo as proporções no Plano Diretor de 2018. A Fazenda Argentina é diretamente afetada por essa mudança, passando a fazer parte do perímetro urbano, o que implica diferentes regras de ocupação. “É, portanto, o momento ideal para discutir a conversão de um espaço natural para um espaço urbanizado, considerando os princípios do desenvolvimento sustentável. Será essencial identificar as nascentes e cursos fluviais e, então, projetar as áreas de preservação permanente e preservar os corredores ecológicos”, disse Sueli.
Ela sugeriu que o processo de ocupação envolva, primeiramente, um novo estudo hidro-geológico para identificar corretamente as nascentes. “É muito importante que a Unicamp preserve essas áreas verdes a partir da definição de APP dada pelo Código Florestal”, complementou. No início de dezembro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) oficializou a contratação da empresa que fará o diagnóstico ambiental do território do HIDS, o que inclui o levantamento das nascentes.
Localizada entre a Mata Santa Genebra (Unidade de Conservação) e a Mata Ribeirão Cachoeira (núcleo da APA Campinas e maior unidade de conservação do município), a Mata Santa Genebrinha é um ponto de conectividade entre fragmentos menores. Daí a importância de o processo de ocupação da Fazenda Argentina e do HIDS considerar o enriquecimento dos fragmentos de vegetação presentes neste território. “Isso será fundamental para uma gestão ambiental que de fato cumpra os ODS neste novo espaço na Unicamp”, considerou Sueli.
Adensamento – O processo de urbanização, no entanto, não precisa estar necessariamente na contramão da proteção e do cuidado com o meio ambiente. “É possível ter alta densidade populacional e preservar o meio ambiente, adotando os conceitos de ‘cidade compacta’ e de ‘cidade de 15 minutos’. São modelos de urbanização que possibilitam adensar e, ao mesmo tempo, reservar espaços vazios”, explicou a arquiteta e professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FECFAU), Gabriela Celani, que coordena a componente do modelo físico-espacial do HIDS.
Segundo ela, esse seria o caminho para uma ocupação da Fazenda Argentina que aproveitaria todo o potencial da área, onde há importantes instituições de pesquisa, como o CNPEM, o CPQD e o Instituto Eldorado, por exemplo. “Acredito que temos uma grande oportunidade de geração de conhecimento”, complementou. Alunos da Especialização em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia Civil (Curso 90E), coordenada pela arquiteta, elaboraram uma série de propostas ligadas ao ambiente urbano dentro de uma perspectiva socioambiental. Uma delas é a criação do Parque das Anhumas, delimitado a partir das faixas demarcadas como APPs do Ribeirão das Anhumas, abrangendo também as áreas inundáveis ao longo do trecho do ribeirão presente no perímetro do HIDS. A proposta levou em conta o potencial turístico, cultural e ecológico da área, compondo um eixo de vegetação e de patrimônio histórico da região.
Para Wagner Romão, diretor adjunto da DeDH, é preciso uma política sólida que contemple os corredores de fauna e flora. “A Fazenda Argentina precisa ser um exemplo do que pode ser a Universidade como um todo: sem perder o caráter pedagógico e tendo clareza do que queremos aprender e do que queremos ensinar com esse projeto”, disse. Ele sugeriu organizar um ciclo de seminários sobre a ocupação da Fazenda Argentina, com envolvimento de vários participantes, e ampliar o diálogo com as comissões ligadas à DeDH. Silvia Santiago lembrou da possibilidade de a Fazenda ser um espaço para produção de alimentos em um modelo agroecológico, agregando conceitos da ecologia e saberes tradicionais. “Podemos pensar, inclusive, em fornecer alimentos para os restaurantes do campus, ou mesmo para comunidades e escolas do entorno”, sugeriu. “Não podemos passar de uma monocultura de cana para uma “cultura de prédios e laboratórios”. Temos que diversificar as formas de ocupação, considerando modelos que não visem apenas à exploração, mas sim estabelecendo trocas com o território”, finalizou a coordenadora da DeDH.
Laboratório vivo e saberes ancestrais
Entre as propostas para a ocupação da Fazenda Argentina está a criação da Casa de Saberes Ancestrais, projeto da Diretoria de Cultura (DCult). De acordo com a diretora adjunta da DCult, Carolina Cantarino, a ideia foi motivada pela possibilidade de ter um espaço multiétnico na Unicamp, valorizando a presença das sabedorias tradicionais, como a dos povos indígenas, dos quilombolas e caiçaras. “A Casa pode ser um centro de pesquisa, um laboratório vivo que mobilize os 240 estudantes indígenas hoje na Unicamp. “Acreditamos que esta aliança política é vital para a universidade, favorecendo os processos de regeneração, a partir de outros modos de relação com a terra”, disse.
O QUE É O HIDS ? (Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável)
Trata-se de um projeto de longo prazo, de implementar um cluster de inovação na forma de um distrito inteligente e sustentável em uma área de aproximadamente 11 milhões de metros quadrados, que abrange o campus da Unicamp, o campus 1 da PUC-Campinas 1, a Facamp, e outras 11 instituições presentes no Polo II de Desenvolvimento (antiga Ciatec 2).
A ocupação dessa área é uma oportunidade de explorar iniciativas para promover, atender e incentivar a Agenda 2030, da ONU, com seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
O projeto está em fase de estudos de elaboração de um plano diretor. Estes estudos estão sendo coordenados pela Unicamp, com a participação de outras 13 instituições na forma de um Conselho Consultivo. São elas:
- PUC-Campinas
- Facamp
- Embrapa
- TRB Pharma
- Instituto Eldorado
- CPQD
- Cariba Incorporadora
- Cargill
- CNPEM
- Sanasa
- CPFL
- Prefeitura de Campinas
- Governo do Estado de S. Paulo.
A expectativa é explorar o uso misto do solo e adotar como referência as melhores práticas mundiais de cidades que planejaram seus espaços urbanos ancorados em princípios sustentáveis. Ainda com respeito às atividades que podem ser desenvolvidas no HIDS, compreende-se que cada ator e instituição partícipe desta iniciativa poderá atuar de modo coerente com sua própria missão e visão de futuro, mas sempre tendo como prerrogativa o atendimento aos princípios do desenvolvimento sustentável.
Uma primeira versão do master plan está prevista para ser entregue em meados do ano que vem. Ela deve levar em consideração os princípios do urbanismo sustentável e de soluções baseadas na natureza.
Sua visão é contribuir para o processo do desenvolvimento sustentável, agregando esforços nacionais e internacionais para produzir conhecimento, tecnologias inovadoras e educação das futuras gerações, mitigando e superando as fragilidades sociais, econômicas e ambientais da sociedade contemporânea.
Como surgiu o HIDS
Em 2013, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) adquiriu a Fazenda Argentina, uma área com 1,4 milhão de m2, contígua ao campus da Universidade, no Distrito de Barão Geraldo, em Campinas. A aquisição, que significou uma expansão de 60% de área nesse campus, suscitou intensas discussões entre o quadro técnico da Universidade sobre as formas de ocupar essa nova área de modo a promover o desenvolvimento sustentável e equitativo, comprometido com os anseios da sociedade, e fortalecendo a agenda estratégica do Brasil, especialmente no sentido de gerar novos modelos mais sustentáveis tanto do ponto de vista econômico, como socioambiental. Considerando a ocupação da área como uma oportunidade de explorar iniciativas para promover, atender e incentivar a Agenda 2030, da ONU, com seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), passou-se a considerar a possibilidade de criar na Fazenda Argentina um Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS).
Com a evolução das atividades de prospecção de atividades que poderiam ser desenvolvidas no HIDS, tornou-se evidente a sinergia e a oportunidade desta iniciativa com a vocação dos diversos atores que compõem a região do Ciatec II – o Polo II de Alta Tecnologia situado em uma área de 8,8 milhões de metros quadrados –, no qual parte da Unicamp se encontra. A região do Ciatec II é identificada como Polo Estratégico de Desenvolvimento do município de Campinas.
Assim, levando-se em consideração (i) as oportunidades e os desafios relacionados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, (ii) o reconhecimento da área contigua à Unicamp/Ciatec II como um Polo Estratégico de Desenvolvimento e (iii) as vocações dos atores já presentes nesta área (ampliada pela presença da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas), a prospecção do HIDSavançou, tendo as universidades como centralidades atratoras e irradiadoras de conhecimento para promover, com Campinas e região, a criação de um distrito sustentável (uma referência internacional de smartcity) com impacto diretor local e regional. Sendo assim, o HIDSpassou a compreender toda a área que contém a região do Ciatec II, da PUC-Campinas e da Unicamp. A Fazenda Argentina e o Parque Tecnológico da Unicamp já fazem parte do Ciatec II. Com a inclusão de toda a Unicamp e a PUC-Campinas, área alvo de planejamento passa para 11,3 milhões de m2.
Reconhecendo a importância do projeto, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) resolveu investir US$ 1 milhão a fundo perdido para a elaboração do master plan do HIDS.
O HIDS é um projeto ousado, de longo prazo (10 a 20 anos) e com potencial para transformar a região e fortalecer o posicionamento do brasil como locus de desenvolvimento de conhecimento e tecnologias sustentáveis.
Na etapa atual do projeto, a partir do investimento do BID, estão sendo realizados estudos para elaboração do projeto físico-espacial; do modelo econômico e da estrutura jurídica do HUB.
O que se espera é que o HIDS venha a ser um cluster de inovação orientado para o desenvolvimento sustentável com laboratórios temáticos (centros de pesquisa e desenvolvimento); infraestrutura sustentável e gestão modelo do patrimônio ambiental e cultural e com boa infraestrutura de serviços (museus, hospitais e espaços de encontro). Essa estrutura de cidade inteligente, que articula atores do governo, agências de fomento, universidades, centros de pesquisa, grandes e médias empresas, startups e investidores, deve ser um território propício para pesquisa aplicada e direcionada aos temas do desenvolvimento sustentável, com gestão da sustentabilidade, parcerias e conexões para formação de uma rede de colaboração nacional e internacional.
As etapas seguintes são a implantação, com formalização do Hub (pessoa jurídica); atração de recursos; formação de parcerias; viabilização da infraestrutura; formatação e início de projetos de pesquisa; construção dos primeiros prédios e articulação de legislações específicas para o Hub. E finalmente, a operação do HIDS em que estão previstos o lançamento do Hub; atração de recursos e parceiros para pesquisa; implantação dos laboratórios vivos; interação com a sociedade e cooperação internacional.
Conselho Consultivo Fundador do HIDS –
Originalmente o processo de planejamento do HIDS estava centralizado na Unicamp, com a participação da PUC-Campinas. No entanto, com a ampliação da área de planejamento, novos atores foram incorporados, já que no território do Ciatec II já estão presentes empresas nacionais e multinacionais e instituições de pesquisa de destaque no cenário brasileiro e internacional de pesquisa e desenvolvimento.
Com objetivo de alavancar a implantação do HIDS, contando com o apoio e participação desses novos atores, em outubro de 2019 foi oficializada a criação do Conselho Consultivo Fundador do HIDS. Ele é composto por parte das empresas e instituições de pesquisa presentes no território de planejamento do HIDS, pela Prefeitura de Campinas, pelo Governo do Estado de São Paulo, representado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, e pelas concessionárias de água e energia da cidade de Campinas. O Conselho Consultivo do HIDS é uma instância consultiva à qual todas as decisões sobre o planejamento desse território serão submetidas para conhecimento e discussão, com objetivo de contribuir na definição das atividades que poderão integrar o HIDS e para nortear a construção de sua governança.
As instituições do Conselho serão um dos públicos privilegiados das ações de comunicação do HIDS. Atualmente o Conselho agrega 14 instituições:
Governo | Ensino e Pesquisa | Pesquisa | Empresas | Conces-sionárias |
Prefeitura Municipal de Campinas Governo do Estado de São Paulo | Unicamp PUCCamp Facamp | Embrapa CNPEM | CPQD TRB Pharma Cargill Cariba Empreendimentos e Participações (Global Tech) Instituto Eldorado | CPFL SANASA |