Na 7a reportagem da série ESCRITORES DE BARÃO entrevistamos o historiador Warney Smith Silva que acabou de lançar um novo livro sobre a História de Barão Geraldo. O livro desmitifica as versões conhecidas até então da historia local . Praticamente todas baseadas em lendas ou causos populares. Ao contar a história da origem de nossa terra não mais com base em causos e certezas populares, mas uma história de muito suor e trabalho duro de sitiantes e agricultores, Smith Silva conta e valoriza a história de homens e suas famílias lutando por sua própria terra, suas crenças e seu lugar e herança para seus filhos. Dos quais muito poucos ainda estão vivos hoje.
O JORNAL DE BARÃO entrevistou o autor por email e preferimos transcrever a entrevista
JB – O que o levou a pesquisa e escrever sobre a História de Barão ?
W. Smith – Bom quando eu vim trabalhar e morar em Barão Geraldo, a partir de 1986, aqui era bastante rural e por isso fiquei completamente apaixonado pelo local. Por isso fui fazendo amigos e perguntando sobre a História do lugar e enquanto uns diziam que tudo surgiu depois da Unicamp soube pelo subprefeito da época, Atilio Vicentin, que o lugar foi construído por seus avós e tios , juntamente com diversas outras famílias de migrantes e imigrantes. Então fiquei sabendo que quem nascia aqui se autodenominava “baronense” ou “barãogeraldense”, que alguns defendiam que Barão se tornasse município e fiquei me perguntando porque, O porque de tão forte identidade e o porque a necessidade de terem poder de decisão sobre sua própria terra. E também porque não existia nada na Unicamp, nem na Biblioteca de Campinas, nem na Puccamp em que estudei na época, e o porque de todo esse desinteresse.
E como participei de alguns eventos do Nucleo de História Regional do IFCH, organizado pelo professor Amaral Lapa que também estava organizando o Centro de Memória na Unicamp, procurei por ele e lhe perguntei se não havia interesse em fazer uma pesquisa histórica sobre Barão Geraldo. Então ele me pediu um projeto e nós começamos em 1992.
JB – Então faz quase 30 anos que você começou a pesquisa. Porque demorou tanto para publicar?
W. Smith – por vários motivos. Primeiro que após entregar o resultado da pesquisa (que é a base desse livro) para o meu orientador, eu fiquei esperando ele me convocar e nada. Logo ele faleceu e não encontrei ninguém que quisesse substituí-lo. E aí fiquei tentando entrar no Mestrado na Historia e outros cursos com vários projetos para prosseguir a pesquisa. Até entrei de novo na Unicamp , na graduação em História mas eles não deixaram mais eu ficar na Moradia (por perseguição, birra mesmo , pedido dos proprios alunos petistas etc.) e eu era aluno. Aí o jeito foi mudar para a USP e correr atras de outras pesquisas que me pagavam E consegui inumeras . Até entrei no Mestrado na USP com outra pesquisa nada a ver e por falta de tempo, bolsa etc não foi pra frente Depois disso me casei, tive filha , abandonei os estudos por isso Depois procurei trabalho, concursos … Aí quando voltei em 2014 pra cá me assustei com os absurdos e a quantidade de mentiras e fake news que havia na Historia de Barão Por isso procurei o Centro de Memória e tudo continuava abandonado, desprezado e até depredado nos arquivos doados. Varias coisas haviam sumido . Foi aí que decidi retomar, revisar , correr atras de fotos e publicar o livro.
JB – O que , a seu ver, o livro mais contribui com Barão Geraldo?
W Smith – A principal contribuição é que o livro desmistifica e “desmitifica” a História de Barão. Isto é, ele separa o que é “mito” (quer dizer, mito como crença coletiva e popular), do que é “História” (que seria aquela baseada em fatos que tem comprovação do que aconteceu seja por alguma forma de documento, por informação coletiva ou por lógica). Ele traz e se baseia em informações e questões cotidianas e as mais importantes, reais e necessárias e nega e demonstra as falsas idéias, aquelas que são tidas popularmente como “acontecimentos” reais do passado, determinadas mas que são ilógicas ou não tem absolutamente nenhuma comprovação. É o caso por exemplo do mito de achar que o distrito fica nas terras que foram do Barão Geraldo, ou que ele fez ou doou algo para o local, ou que já existia a vila no século 19, ou o caso da famosa “briga” entre Geraldo e seu cunhado Albino José. Que também não há nenhuma forma de comprovar que ocorreu. Ou que o Barão teria cometido suicídio como se popularizou… Ou de se achar que o lugar “Barão” tem esse nome em homenagem à ele ou por causa dele. Também a lenda do Boi Falô que na versão quase unânime entre os antigos moradores não tem e não tinha qualquer data ( como qualquer lenda aliás), não tinha um escravo (e nem com nome ainda) e todos disseram que o boi falô no Capão do Boi que ficava na entrada do distrito. E além disso não há essa história de “escravo doméstico”, nem a citação ou participação do Barão na lenda. E mesmo a tentativa de esquecimento da ferrovia e da Estação que foi o ponto inicial da vila, ou o esquecimento do Capão do Boi, a tentativa de esquecimento da Festa de Santa Isabel ANTES da criação da Paróquia (que aliás foi por causa da Festa que fez a igreja católica criar a Paróquia) também são todas as formas de tentar negar a história , de impedir que essa história local exista e essas pessoas tenham um reconhecimento da história de seus antepassados, do lugar que eles criaram …
E o conhecimento da história real influencia e muda muita coisa no presente e nos induz a demonstrar a necessidade de se criar uma Associação de preservação da História local e de criar e fortalecer um roteiro turístico que contemplem esses bens históricos : como os mais de 230 anos da Rio das Pedras os 150 anos do sobrado da Santa Genebra , os quase 100 anos da Estação impõem a necessidade de preservação das sedes das fazendas e do prédio da estação, como a explicação do nome das ruas e dos bairros, e a necessidade da mudança de nomes de alguma ruas, a necessidade de mudar a versão oficial da Lenda do boi , de se preservar o Capão etc…
JB – Isso significa que, até hoje, a historia contada de Barão Geraldo não foi uma Historia real? Eram apenas mitos que os antigos contavam?
W Smith : Em parte sim é isso. Claro que muita coisa é real e nem tudo a História consegue comprovar ou conhecer. E a ciência histórica não joga fora esses mitos e lendas mas, pelo contrário, elas também devem ser guardadas porque explicam muita coisa. Mas é importante diferenciar uma coisa da outra. Por exemplo a construção da “fazenda modelo” pelo Geraldo, antes de ser Barão, tornou-se uma das referências da cafeicultura brasileira na Europa (entre outras) é uma noticia real que se popularizou. A “doação” de terras para a Unicamp e para a Mata de Santa Genebra são também fatos históricos reais que se popularizaram. Mas grande parte do que SEMPRE se fala popularmente na midia ou em sites, teses ou em termos oficiais sobre a historia de Barão (isto é, do lugar e não do agricultor) – são na verdade uma declaração de desconhecimento da História de Barão Geraldo ou desculpas para não falar dela, provavelmente por puro preconceito. Confundem o Barão com o lugar Barão, dizem que a Rio das Pedras era do Rui Barbosa ou que tinha uma “rainha”, dizem que a lagoa da Palmeirinha é da Unicamp (e ela nunca foi da Unicamp) falam da lenda do boi que não é a lenda local – isso porque pra eles…, nem sabem o que é o Capão do Boi, falam do Berra Vaca, do Zeferino, da Praça do Coco, falam do “Corpo Seco” mas não falam da Historia de Barão. De como se formou esse lugar e por quem, em que ano foi, quem foram os pioneiros, quais os principais fatos históricos, como eles aconteceram, quais os personagens principais, tudo isso antes da questão da elevação a distrito
Por outro lado, tais lendas devem ser preservadas, não apenas porque elas se contrapõem com a História com aquilo que é possível comprovar, mas porque elas explicam. Por exemplo: a lenda da briga do Barão com o cunhado (Alguns ainda dizem que a briga foi com o Conselheiro Albino, o sogro dele , o que era algo impossível que tenha ocorrido porque ele morreu bem antes) Mas esse “causo” , esse boato que se popularizou como fato, embora não tenha comprovação, ele explica o porque do distanciamento e da rixa , da raiva e disputa que passou a haver entre as duas fazendas e que foi crescendo bastante bem depois da morte de ambos e da formação de Barão Geraldo. Havia todo um esforço imenso em separar as fazendas, principalmente nos limites, e muita briga por isso. Principalmente da parte da Santa Genebra. Isso cresceu basicamente depois que a Rio das Pedras passou a ir vendendo suas partes e a Santa Genebra sempre fez tudo para não vender, desde quando o Lins de Vasconcellos assumiu ela em 1907.
JB – Por acaso a razão de seu livro é defender a “autonomia” de Barão? Isto é, que se torne um município???
W. Smith: (risos) Claro que não. Eu imaginei quando fiz o título que iriam pensar nisso. E a grande maioria julga pelo preconceito, pelas aparências. E decidi manter para fortalecer essa polêmica sim. Mas nem abordo a questão da luta pelo Município infelizmente. Porque essa discussão começou após a fundação da Unicamp e por causa dela também foi enterrada, assim como por causa dela o nome e qualquer referência ao distrito vem desaparecendo.
A “luta pela autonomia” a que me referi foi o conceito de autonomia econômica usado por diversos historiadores da imigração italiana (como Maurício Vinhas de Queiroz, Zuleika Alvin e até historiadores italianos). Significa a luta desses trabalhadores braçais analfabetos, descendentes de servos camponeses e que, em sua maioria, vieram devendo a passagem de navio e aqui tinham o objetivo de comprar sua própria terra para que eles mesmos produzissem e vendessem seus prórprios produtos nas cidades. O que entre os libaneses ficou conhecido pelo termo “mascates”, vendedores ambulantes de produtos e quinquilharias. Eles precisavam ganhar o máximo possível e pagar o mínimo possível pra poderem conquistar alguma segurança ou estabilidade. E por isso, a luta deles para não pagarem pela luz , pelas melhorias urbanas, não pagarem IPTU e a preferencia por doarem trabalho e produtos para a igreja ao invés da tradicional “esmola” que a Igreja pedia. Então eles queriam ter total controle de sua condição financeira para poderem garantir a vida de suas famílias e descendentes . E só tinham as mãos, os braços e o corpo e o trabalho dele e de sua família para isso. Mas suponho que essa luta individual e familiar tenha chegado à um nível coletivo, mais abstrato de terem sua terra mesmo, porém de forma coletiva. E isso ter influenciado nas lutas pelo distrito e por ser município. Aliás isso é importante também pra se entender a conjuntura política de hoje, a supervalorização das famílias, do trabalho, das tradições familiares, da religião
Mas além da luta da Unicamp pela “autonomia universitária” contra as intrusões de Maluf que ocorreu depois , no início dos anos 1980 também tivemos a luta dos ambientalistas cientistas, advogados e militantes por terrem autonomia em administrarem o patrimônio ambiental em relação aos proprietários desses imóveis e mesmo de definirem o planejamento urbano de Barão Geraldo independente do resto da cidade, como aconteceu em 1996 com todo o apoio do Magalhães Teixeira
E como o livro pode ser adquirido ?
W. Smith : O livro foi feito pela Livraria Pontes que já é tradicional em livros sobre Campinas e ela é que negocia com várias livrarias da cidade. E eles vendem pelo site deles com descontos e em até 3 vezes . (veja link do site abaixo) Também voce pode encontrar em qualquer banca de jornal de Barão Geraldo ou nas nossas duas livrarias; GALPÂO LIVROS que fica bem perto do Colégio Rio Branco ) e do VALISE DE CRONÓPIO (que fica bem em frente à Praça Durval Páttaro, ao lado do antigo Alzirão) Deve ficar entre R$ 50 e 60 reais dependendo do lugar.
por Matheus Queiroz, Arney Barcelos e Eduardo Antonio Pinheiro
Sobre o autor
Warney Smith Silva estudou Ciências Sociais da Unicamp nos anos 1990 quando começou sua pesquisa sobre a História de Barão. Nascido no Rio de Janeiro e registrado em Barra Mansa – RJ onde passou a infância, quando foi aluno de notas altas na escola e montou um jornal dos alunos. Começou a trabalhar aos 12 anos no jornal “O Sul Fluminense” quando , segundo ele escreveu seu primeiro livro e sonhava ser escritor de contos e poesia. Na adolescência trabalhou em bancos , foi DJ (discotecário) e tocou em bandas. Após o exército voltou a trabalhar em bancos e jornais de várias cidades do Rio de Janeiro.
Em 1986 fez concurso e veio trabalhar na Unicamp quando começou a faculdade de Jornalismo que não completou. Em Campinas trabalhou na antiga TV Campinas, estágio na Radio Educadora, trabalhou como jornalista em agências de publicidade e vários sindicatos, Também fez trabalhos para os jornais Diário do Povo, Datafolha e outros jornais. E em 1992 montou o Jornal de Barão com Silvana da Fonseca estudante de Artes da Unicamp que durou 2 anos
Em 2001 transferiu-se para a USP onde concluiu seu curso de História e fez mestrado, sem bolsa e sem conseguir concluir. Em São Paulo trabalhou para a USP, com assistência a pesquisa, produção de vídeos , e como professor do Estado.
Em 2014 retornou para a Unicamp e Barão Geraldo e decidiu revisar sua pesquisa sobre Barão para publicá-la E desde então vem trabalhando no livro.
entrevista a Matheus Queiroz