O IV Seminário de Circo 2018 acontecerá entre 14 e 16/12 e contará com a participação de pesquisadores e artistas nacionais e internacionais. Na programação, cabarés artísticos diários terão entrada gratuita para o grande público
por Romulo Santana Osthues
O circo, em qualquer época, sempre foi (re)conhecido pela reinvenção de suas práticas. Para promover um amplo debate sobre os modos de existência (e resistência!) das artes circenses na atualidade, o Circus-FEF/Unicamp (Grupo de Estudos e Pesquisas das Artes Circenses da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas) reunirá pesquisadores e artistas nacionais e internacionais (Uruguai, Canadá e França). Em sua quarta edição, o seminário terá “inovação e criatividade” como tema norteador das discussões.
Entre os dias 14 e 16 deste mês, distintos espaços de Barão Geraldo, Campinas (SP), abrigarão a vasta programação do evento, composta por conferências, palestras, cursos e intervenções artísticas. Uma novidade desta edição do seminário são os cabarés artísticos, que ocorrerão em todas as noites e terão entrada gratuita. Lua Barreto, educadora física e pesquisadora do Circus-FEF/Unicamp, destaca a importância da iniciativa: “promover o intercâmbio entre os artistas e participantes do seminário, tanto por meio da convivência nos bastidores quanto da fruição da apresentação artística por parte dos seminaristas e do público em geral”. Uma das responsáveis pela montagem da programação dos cabarés, que ocorreu diante de uma criteriosa seleção, Barreto aposta na ampla diversidade dos números como um grande atrativo dos cabarés. “O roteiro é completamente diferente a cada dia. Como os apresentadores são bastante participativos, cada cabaré terá, também, um estilo muito diferente”, afirma. Farão parte do elenco diversos malabaristas, acrobatas e palhaços. A apresentação ficará por conta dos mestres de cerimônia DJ Digão, Palhaça Rubra e Cia. Los Circo Los.
Inovação e criatividade
Para início de qualquer conversa sobre inovação e criatividade nas práticas circenses, é importante se fazer uma ressalva. Virginia Alonso, educadora física e professora da Universidade da República, em Montevideo (Uruguai), salienta que o circo não é uma categoria homogênea de disciplinas, há atividades muito diversas entre si na sua composição. Por isso, inovar e criar na prática de um palhaço não é o mesmo que na de um acrobata ou equilibrista. E é com base em seu campo de pesquisa, a acrobacia, que Alonso põe questões a respeito da relação corpo-arte no circo contemporâneo. Uma delas é a ruptura com o virtuosismo técnico (a superação das habilidades já alcançadas) que, por muito tempo, foi uma incessante busca nas práticas circenses. “O contemporâneo no circo vem dizer que o mais difícil ou virtuoso não é sempre a escolha estética que prevalece quando se pensa em um trabalho”, ela diz.
Apesar disso, em muitas de suas expressões, o circo não perdeu de vista sua relação com a técnica corporal, a ponto de não ter mais uma forma que o identifique como tal. “Ou seja, os acrobatas não renunciaram a fazer saltos, giros ou inversões em diferentes alturas e superfícies. Assim como os malabaristas não deixaram de lado a manipulação de objetos”, explica Alonso. O desafio atual, então, seria o de se reinventar a partir do que já foi feito no passado. Esse lugar de reinvenção, para ela, seria o da “busca por técnicas não estereotipadas em criações que não se limitam a reproduzir produtos que impressionam no mercado de entretenimento, dentro da estrutura da indústria cultural”.
Para a historiadora Erminia Silva, coordenadora do Circus-FEF/Unicamp, “sempre houve, há e haverá nas artes circenses processos inovadores e criativos em sinergia com os períodos, encontros e acontecimentos vivenciados por mulheres, homens e crianças. Essa busca por diferentes processos de formação e aprendizagens deve estar presente no fazer-se artista circense”. E para isso ocorrer, segundo ela, não seria necessário negar o que foi herdado das variadas formas artísticas circenses.
Entre a prática e a teoria
Com poucas exceções, até a década de 1980, não havia uma relação próxima e regular entre artistas circenses e acadêmicos. De acordo com Silva, a partir da década seguinte é que essa aproximação se intensifica, especialmente por conta daqueles estudantes que, ao mesmo tempo, frequentavam processos de formação circense (escolas de circo, oficinas, práticas autodidatas etc.) e faziam parte de atividades acadêmicas, em particular nas disciplinas de artes e educação física, levando para dentro das universidades os resultados desses processos formativos extramuros. O Circus-FEF/Unicamp, realizador do IV Seminário de Circo 2018, é uma dessas iniciativas que se tornou um expoente, dando visibilidade e consolidando a produção acadêmica sobre as artes circenses. “O grupo vem aproximando produções artísticas e formativas de artistas de todos os espaços onde isso estava e está acontecendo. Consequentemente, houve um aumento expressivo de trabalhos de pesquisa nessa área, o que para a história do circo é algo novo e significativo”, diz a historiadora.
“Em diferentes lugares do Brasil, novos projetos estão fazendo a universidade atentar-se para o circo, mostrando inúmeras contribuições para as artes, para a educação e para outras muitas áreas do conhecimento”, explica o educador físico Marco Bortoleto, coordenador do Circus-FEF/Unicamp. Por isso, desde sua fundação, em 2006, um dos esforços do grupo é garantir a presença do circo na universidade para que haja mais respeito e atenção a esse campo pelos pesquisadores não somente da educação física, e que se estimule uma maior interação entre escolas de circo, artistas e grupos de pesquisa. “As relações entre o circo, a dança, o teatro etc. têm crescido e se consolidado, mesmo que algumas tensões ainda rondem esse contexto. O importante é que há muita gente disposta a romper paradigmas, construir novas possibilidades. O circo tem se mostrado muito flexível e aberto a essas trocas”, salienta o pesquisador. Na diversidade de espaços e formações, acrescenta Erminia Silva, os circenses de ontem e de hoje atuavam e atuam “num campo ousado de originalidade e experimentação”.
Circo na escola, circo pelo social
Uma das linhas de pesquisa de destaque do Circus-FEF/Unicamp é o circo na escola. Os estudos dessa linha têm colaborado para o reconhecimento do circo como uma importante prática artística e física nas instituições escolares. “Podemos contribuir muito com as artes circenses sendo produzidas nos espaços escolares, o que possibilita, assim como outras áreas culturais artísticas, passar a importância das aprendizagens circenses nos processos de formações emocionais, físicas e culturais”, afirma Erminia Silva.
Muitos resultados das pesquisas do grupo tanto no campo do circo na escola quanto no do circo social são referências para educadores e pesquisadores Brasil afora. Um desses casos é o de Fátima Pontes, educadora artística e coordenadora da Escola Pernambucana de Circo, em Recife (PE). Na instituição, com a pedagogia do circo social como premissa, a educadora e sua equipe vêm promovendo ações socioeducativas para crianças, adolescentes e jovens, voltando-se para a formação de artistas e educadores em diferentes atividades circenses e possibilitando a sistematização das pesquisas desenvolvidas a partir de suas práticas. Para ela, a presença do circo em projetos sociais como o que desenvolve se justifica porque é possível levar a reflexão sobre assuntos de hoje em dia que não se restringem apenas à técnica circense. Por exemplo, nas comunidades em que a Escola Pernambucana de Circo atua, questões relacionadas a raça, gênero, direitos humanos e LGBTQIA+ tematizam as discussões. “Fazer circo para fazer pensar e refletir nosso mundo e nosso papel nesse mundo”, diz Pontes.
Um encontro espetacular
Virginia Alonso e Fátima Pontes estão entre os 19 palestrantes do IV Seminário de Circo 2018, que se juntarão a mais de 200 participantes inscritos, entre artistas e pesquisadores. Estão previstas 30 performances artísticas e 73 apresentações de resultados de estudos e relatos. A expectativa é a de que a convivência entre pessoas de distintas regiões geográficas, assim como de diversas formações artísticas e acadêmicas, seja uma motivação para a troca de experiências e conhecimento sobre as artes circenses no mundo, favorecendo a valorização do circo para além de seu caráter de entretenimento. “Esperamos que a Unicamp e outras universidades, por meio de seus representantes no evento, percebam o potencial do circo e a necessidade de se investir mais e mais nessa arte secular, dando-lhe mais espaço e protagonismo acadêmico”, destaca Marco Bortoleto.
SERVIÇO
IV Seminário de Circo 2018
Dias 14, 15 e 16/12, entre 8h e 22h.
Locais de realização em Barão Geraldo, Campinas (SP) – na Unicamp: Casa do Lago; Praça da Paz, Ginásio da FEF; LABFEF/ fora do câmpus: Centro Cultural Casarão; Cia. do Circo e Jardim Aéreo.
A participação de conferências, palestras, cursos e algumas das intervenções artísticas requer inscrição prévia mediante pagamento de taxa. Os cabarés artísticos são abertos ao público em geral, com entrada gratuita (contribuições voluntárias serão recebidas “no chapéu”).
A programação completa está neste link: https://www.fef.unicamp.br/fef/ivsic/programacao