UNICAMP revoga título de doutor “Honoris Causa” dado a Jarbas Passarinho em 1973
O CONSU (Conselho Universitário da Unicamp) revogou, por unanimidade, o título de Doutor Honoris Causa concedido em 30 de novembro de 1973 ao coronel Jarbas Gonçalves Passarinho, então ministro da Educação. A reitoria pautou o tema na reunião ordinária do Consu após solicitação feita pela Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp), com a participação do Diretório Central de Estudantes (DCE), da Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos (APG) e do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), que encaminharam um dossiê elaborado pela Comissão da Verdade e Memória “Otávio Ianni”.
O reitor, professor Antônio José de Almeida Meirelles, abriu o encontro e logo em seguida passou a palavra à representante da Adunicamp. A professora Sylvia Gatti relatou que, por meio de um abaixo-assinado com 400 assinaturas de docentes, pesquisadores, técnicos-administrativos, alunos e representantes de entidades externas, foi proposto a formação de um Grupo de Trabalho (GT) intitulado “Unicamp pela Democracia: pela revogação do título de Doutor Honoris Causa ao coronel Jarbas Passarinho”, o qual se encarregou de um dossiê completo sobre o tema.

Um resumo do dossiê foi apresentado aos membros do Consu pelo docente aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Caio Navarro de Toledo, membro da Comissão da Verdade da Unicamp. Ele informou que o amplo material pode ser acessado em versão digital no site da Adunicamp. Os principais argumentos apresentados foram, por um lado, as indicações da Comissão da Verdade Nacional e da Comissão da Verdade da Unicamp no sentido de que sejam revogadas homenagens a defensores do regime ditatorial no Brasil, e, ainda, o Artigo 158 (parágrafo 1º) do Estatuto da Unicamp, que trata da concessão de títulos honoris causa a “pessoas que tenham contribuído, de maneira notável, ao progresso das ciências, das letras ou das artes; e aos que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade”.
“Nesta sessão, o Consu, interpretando a vontade política de sua comunidade acadêmica, repara um equívoco que dura 48 anos”, apontou Navarro, após lembrar que Jarbas Passarinho foi um dos proponentes do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, início de um período de censura e acirramento da repressão da ditadura militar no Brasil.
Decisão histórica
Após a votação, Navarro ressaltou o comprometimento dos integrantes do GT, nos seis meses de trabalho, para organizar a documentação e embasar os argumentos. Segundo ele, houve um “sentimento de frustração” após a primeira votação da matéria no Consu ocorrida em 2014. “O resultado é extremamente positivo. A Unicamp não está apagando a votação feita no Conselho, no ato da aprovação. Aquelas pessoas estavam pressionadas pelo AI-5. Mas é muito importante podermos reavaliar uma decisão. A Universidade mostra que está olhando para sua memória, seu presente e seu futuro, e que queremos uma sociedade plenamente democrática. É um momento histórico para a instituição, pois raramente a Unicamp se mostrou tão coesa em torno a um tema de ordem política”, apontou Navarro.
A relevância histórica do ato foi ponto de concordância entre os membros do Consu que debateram o tema. A coordenadora-geral da Universidade, professora Maria Luiza Moretti, também ressaltou que se trata de “um dia histórico”. Ela elogiou o trabalho do GT e falou da sua preocupação com a democracia dentro da Universidade. “A Unicamp teve a oportunidade de se adequar ao momento político atual”, destacou Luiza, que se disse favorável à revogação do título.
O reitor da Unicamp, professor Antônio Meirelles, foi o último a se pronunciar antes da votação. Ele lembrou do amplo apoio que a proposta alcançou na comunidade acadêmica e mencionou as declarações favoráveis dos ex-reitores José Tadeu Jorge, Carlos Vogt, Marcelo Knobel, Hermano Tavares, além de representantes de diversos setores da instituição. Ele não podia votar pelo regimento mas quis lembrar algumas questões: Meirelles lembrou que na época em que foi aprovado o título ainda não era um Conselho Universitário e sim um “Conselho Diretor” ainda bem menor e perguntou: “Se essa votação fosse feita hoje , quem de nós seriamos favoráveis à sua concessão”? Depois de relembrar o citado Artigo do Estatuto, o reitor mencionou a “reparação histórica” efetuada pelo Consu. “Deixemos claro que aquela nomeação foi decidida em função de um contexto, não tendo relação com os méritos necessários previstos no estatuto. Ao revogar o título estaremos abraçando a nossa história. A história de uma universidade comprometida até a raiz com a democracia”.

Fatos e emoção
A votação foi realizada nominalmente, tendo resultado unânime entre os presentes (74 favoráveis e três ausências). Divulgado o resultado, o reitor solicitou novamente a participação da representante da Adunicamp, professora Sylvia Gatti. Em lágrimas, ela agradeceu aos conselheiros pelo resultado da votação. “Essa é a Unicamp que queremos. Vamos em frente, temos ainda muito a fazer pelo nosso país”. Antes de suspender a sessão para um intervalo, o reitor descreveu a decisão como um “momento emocionante” para uma geração mais antiga da Unicamp, e falou da sua importância para as gerações futuras. “É uma reparação de importância histórica, é a reafirmação de nossos compromissos com a democracia”, finalizou.
A Unicamp é a segunda instituição pública de ensino superior do Brasil a revogar o título de Doutor Honoris Causa concedido ao general Jarbas Passarinho. Em abril desse ano, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), por meio do seu conselho, tomou a mesma decisão. Na cidade de São Paulo, uma rua que homenageava um dos acusados de realizar torturas durante o regime militar teve seu nome alterado. Ela passou a se chamar Frei Tito, um frade católico torturado e perseguido pela ditadura.
Vários conselheiros, como o professor Wagner Romão ressaltou a importância dos titulos Honoris Causa como referências e exemplos para os alunos atuais e futuros e que ao contrário da USP a Unicamp concedeu esse título porque ainda estava fragilizada no cenário nacional da época sob o regime do AI-5 assinado por Jarbas Passarinho. O ex pró Reitor, professor Álvaro Penteado Crosta, disse que a Unicamp corrigiu um enorme e trágico “equívoco”. Segundo ele, a concessão desse título honorífico ocorreu certamente por força do constrangimento e privação das liberdades democráticas a que toda a sociedade brasileira estava submetida à época, sob a égide da ditadura militar de 1964-1985, da qual o Coronel Passarinho foi um dos expoentes”.
Assista, na íntegra, à reunião que revogou o título Doutor Honoris Causa dado a Jarbas Passarinho:

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