Warney Smith (coletivamente com a família Campos Faria)
Lazinho foi um menino especial. O “tifo preto” que o acometeu aos 3 anos, o deixou sem fala por vários meses. Os médicos achavam que ele não iria resistir e o desenganaram. Nenhum médico ou remédio, nem benzedeira ou reza lhe devolvia a voz. Por isso, sua mãe prometeu leva-lo a Aparecida, caso ele se curasse. Depois que recebeu alta, mas ainda sem voz, seus pais o levaram a Aparecida do Norte para agradecer. E lá em Aparecida, em frente à antiga catedral, Lazinho pediu à sua mãe que comprasse uma laranjada que um ambulante vendia. Surpresa! Mãe boquiaberta! Êxtase, alegria e fé!
Aquele milagre – ou aquela conquista – marcou para sempre a vida daquele eterno menino. Depois de conquistar sua saúde, Lazinho conquistou seu primeiro emprego aos 10 anos, iniciou sua carreira de atleta fundista aos 18 anos, conquistou seu emprego definitivo aos 20 e conquistou a mulher de sua vida aos 25. E depois de casado aos 36 anos, como escriturário da Estrada de Ferro (E.F.) Sorocabana, Lazinho conquistou sua casa em Barão Geraldo, que lhe garantiu estabilidade para toda a vida e onde teve e criou seus filhos junto com sua Luzia.
Lázaro de Campos Faria, o menino Lazinho, nasceu na Estação José Paulino em 31 de janeiro de 1926, onde seu pai, Luis de Campos Faria, fora nomeado o primeiro chefe da estação depois que a E.F. Funilense passou a ser operada pela Sorocabana.
Sua mãe, Maria Pires Faria, contava que quando ficou grávida dele em 1925, havia uma epidemia de tifo em Piracicaba que ela acabou pegando e por isso fez uma promessa para que ele nascesse bem. Mas antes do nascimento veio a mudança para José Paulino onde ele nasceu. Quando já estava engatinhando, Maria colocava uma boneca na porta da sala, para que ele não saísse para a plataforma enquanto ela trabalhava em casa. E como era costume entre as mães da época – perceptível em grande parte das antigas fotografias de crianças – às vezes ela colocava uma batinha nele que parecia um vestido. E talvez também pelos seus cachos loiros, alguns transeuntes da Estação confundiam-no com uma menina, que ele mesmo prontamente corrigia: “sou menino!”.
Mas quando ainda era pequeno, seu pai foi novamente transferido para a Estação de Itapeva. Foi em Itapeva que ele começou a estudar (foto) e a trabalhar ainda criança. Em 1936, Lazinho começou a trabalhar na loja das Casas Pernambucanas como ajudante. Naquela época, era um orgulho começar a trabalhar ainda criança. E mais orgulho ainda, na mitológica rede de magazines das Casas Pernambucanas. E foi também em Itapeva, quando estava no Tiro de Guerra, em 1944, que começou a praticar o atletismo. Depois disso, nunca mais parou de correr.
Dois anos depois, seu pai foi transferido para Campinas, onde em setembro de 1946, Lázaro Faria começou a trabalhar como contínuo no antigo escritório da Sorocabana, que ficava na rua Costa Aguiar. Depois de uns anos passou a ser “escriturário”.
Em 1948, Lazinho conheceu Luzia Dias que passava diariamente em frente à sua casa para ir trabalhar. Ela nasceu em 1926 no Cortume Cantusio onde seu pai trabalhava. Mas três anos depois, seus pais – o empreiteiro Luis Dias e Clementina Tievalti Dias – mudaram-se para o sítio de seu tio (ao lado da Mata Santa Genebra, onde hoje é o Real Parque, que na época chamavam simplesmente de “Mata”). Nesse sítio, Luzia viveu parte de sua infância e presenciou parte da guerra civil de 1932, quando soldados desertores foram pedir roupas para fugir e quando uma bomba do avião “vermelhinho” caiu em uma bananeira do sitio. Mas em 1933 seu pai se mudou para a Ponte Preta, onde ela presenciou a construção do estádio.
Conforme conta dona Luzia, quando ela ia para o trabalho no Setifício Campineiro, em 1948, ela passava em frente a casa de Lazinho, que ficava esperando para vê-la passar e a cumprimentava. Um dia porém, quando ela passou, toda a família dele – pai, mãe, atual cunhado Chico – estavam na frente de casa esperando ela passar. Depois disso, Lazinho passou a ir esperá-la na porta da fábrica, mesmo não tendo hora para sair. Mas Luzia não queria namorar e sempre dispensava-o . Pediu para seu pai ir buscá-la na fábrica por isso, mas mesmo assim ele insistia . Lazinho pediu ao seu pai para namorá-la e passou a freqüentar a casa dela. Luzia resistiu por dois anos mas em 1950 começou a namorar Lazinho, com quem se casou um ano depois, em 27 de maio de 1951.
Casados, Luzia foi morar na casa em que Lazinho morava com seus pais, na rua Regente Feijó, 225, perto do antigo largo das Andorinhas. Foi lá onde nasceu seu primeiro filho, Luiz Eduardo e um ano depois a segunda filha, Maria Auxiliadora. E depois de 6 anos, Lazinho e Luzia mudaram-se para a rua Barão de Paranapanema, 103, onde nasceu sua terceira filha, Lucia, em 1959.
Nesse tempo, Lázaro Faria sempre se dedicou ao atletismo e também aos serviços voluntários para instituições e famílias carentes, geralmente com esporte. Trabalhou no Clube do Ítalo e também na escolinha do Guarani F.C. onde até pediu uma sala para dar aulas. (Mas nunca deixou de ser sãopaulino) Em 1956 participou de suas primeiras provas de atletismo ao competir pela equipe de Campinas numa Maratona de Revezamento dos Jogos Abertos do Interior. E como era da UDN e amigo de Jânio, fez questão de participar da caravana para a inauguração de Brasília em 1960.
Barão Geraldo: a nova cidade
Em 1962, conforme conta d. Luzia, eles estavam procurando uma nova casa para dar uma qualidade de vida para seus filhos, onde eles pudessem brincar na rua e ter maior contato com a natureza. Então quando Lazaro comentou com seu chefe, ele o avisou que haviam casas desocupadas em Barão Geraldo que, após a desativação da linha Funilense da Sorocabana, elas estariam disponíveis para os funcionários. Lazaro se interessou, falou com Luzia, viram uma casa e decidiram se mudar no dia 10 de junho de 1962. Mas quando chegaram com a mudança, a casa que haviam escolhido já estava sendo ocupada por outro funcionário. Porém havia outra, sem água encanada, só com um poço e precisando de reformas que o pai de Luzia depois se encarregou. Nessa casa foi onde seu filho Edson nasceu, naquele mesmo ano, e onde nasceria também sua filha caçula Gláucia.
Assim, a partir daquele dia Lázaro mudou-se com sua família para Barão Geraldo que passou aos poucos a ser sua nova paixão. Mas continuou a trabalhar como escriturário da sede da Sorocabana até sua desativação em Campinas (a Sorocabana foi incorporada pela FEPASA em 1971). E quando a companhia acabou, Lázaro foi designado para trabalhar como inspetor em escolas, como ele queria. Trabalhou no Culto à Ciência, no Colégio Carlos Gomes, na Escola Gustavo Marcondes (Taquaral) e depois na Escola B. Geraldo de Resende e na delegacia de polícia em Barão, onde ficou até sua aposentadoria em 1984.
Nesse meio tempo, como trabalhava em Campinas, começou a trazer jornais e cartas para os moradores. Em 1966 abriu uma Caixa Postal para Barão na agência central dos Correios (ECT) de Campinas, onde pegava toda a correspondência e entregava voluntariamente de casa em casa em Barão. E assim, tornou-se o primeiro carteiro de Barão. Foi o responsável pela entrega da correspondência no distrito até quando a Empresa Brasileira de Correios e Telegrafos (ECT) passou a entregar oficialmente em Barão, através do carteiro Toninho.
Faria também foi o primeiro jornaleiro de Barão, quando trazia jornais de Campinas. E quando sua mãe faleceu, seu pai Luis Faria, veio morar com a família em 1967. E por isso Lázaro resolveu abrir sua banca de jornais em 1968 para dividir com seu pai. Com isso Lázaro passou a ter tempo para entregar cartas e jornais e para fazer suas lutas políticas. Entre elas a luta por uma linha urbana de ônibus da CCTC para Campinas, em 1968, a luta pelo ginásio, pela transformação do Posto de Puericultura em Centro de Saúde (que foi um movimento liderado por Nura Mussi Penteado) e várias outras.
Por tudo isso, Faria se articulou com o grupo que lutava pelo progresso e pela “elevação” do local. Em 1966 foi convidado por Hélio Leonardi a participar da primeira associação de moradores de Barão: a Sociedade Amigos de Barão Geraldo. E juntamente com Paulo Lanza, Orpheu e Hélio Leonardi, Nicola Pacci, seu Salomão Mussi , seu “Pradinho” (o antigo chefe de estação Joaquim Prado) – e posteriormente Nura e Guido Camargo Penteado- fizeram o primeiro pedido de emancipação de Barão Geraldo, quando a Unicamp se instalou em 1966.
Além da luta pela linha Barão – Campinas, Lázaro Faria também lutou pela ampliação de linhas de ônibus e por maior quantidade de horários, pela ampliação da iluminação pública, arborização do centro, de praças, instalação de redes de água e esgoto, ampliação do posto de saúde, por maior incentivo ao esporte e muitas outras necessidades. Uma de suas principais lutas de Lázaro Faria foi pela criação de um colégio ginasial já nos anos 1970. Para isso ele foi várias vezes na Secretaria Estadual de Educação e procurou vários políticos para conseguir a implantação da escola que só aconteceu em 1975.
Mas foi fora de casa, no atletismo e na política de Barão Geraldo, que ele construiu e conquistou os últimos sentidos de sua vida, lutando por sua cidade. É claro que nem tudo o que lutou, Lazinho conquistou – como é normal a qualquer ser humano. Mas o sentido de tentar, de lutar e ir atrás de objetivos – seus e de outros – nunca o abandonou. Sobretudo para melhorar a vida dos outros.
Em 1982 participou de sua primeira corrida de São Silvestre antes mesmo de se aposentar em 1984. E depois disso, Faria sempre foi uma das principais lideranças da luta pela emancipação de Barão Geraldo juntamente com Hélio e Orpheu Leonardi , Conforme o próprio seu Faria dizia em 1992-95, foram mais de 10 pedidos para que a Assembléia Legislativa de São Paulo estudasse a municipalização de Barão. Mas com a morte de Leonardi, a crescente ampliação de condomínios de luxo e a cada vez mais crescente população vinda de fora, sem raízes locais e desconhecendo a história e a luta dos moradores mais antigos, o movimento entrou em decadência. Mas nunca acabou.
Por tudo isso Lázaro Faria foi candidato a vereador algumas vezes primeiro pelo MDB nos anos 1970 e depois pelo PSB já nos anos 1990, mas nunca conseguiu ser eleito. E por lutar pela municipalização e “progresso”, Faria enfrentou várias desavenças com muitas pessoas. Como contou sua filha Lucia, numa das vezes em que foi candidato, alguém pixou num muro do centro de Barão: “porcaria por porcaria, vote no Faria”. Mas Faria como era uma cabeça à frente de seu tempo, gostou da frase e passou a incorporá-la em sua campanha.
Durante os anos 1990 , Faria continuou com sua banca e treinando junto com suas equipes, quando participou de dezenas de provas em todo o pais. Como já havia criado a “Volta de Barão” que ocorria no dia do aniversário do distrito, 30 de dezembro, foi convidado no ano 2000 a participar do projeto de criação da corrida “Volta da Independência Troféu Lázaro de Campos Faria” junto com diversos atletas locais. Tal prova seria realizada todos os dias 7 de setembro em homenagem ao aniversário do Brasil, com os atletas dando uma volta no entorno de Barão Geraldo. E cujo troféu levaria seu nome. E Faria participou desde a primeira corrida em 2001 e foi homenageado várias vezes.
Mas em 2006 Faria pegou dengue assim como todos de sua família. Como já tinha 80 anos e problemas de saúde, a dengue o pegou de jeito e teve que ficar internado. E parece que a doença o enfraqueceu de vez. A partir de 2008 ele começou a ter uma crise de hipertensão que às vezes o levava a cair. E a ultima prova da qual participou foi a Volta da Independência de 2007, quando encerrou sua carreira de atleta, já com cerca de 250 prêmios entre medalhas e troféus.
Mas seu Faria e sua família ficaram muito chateados quando souberam que o troféu não tinha mais o seu nome . Na “Volta” de 2009, a subprefeitura lhe fez uma homenagem, em que Faria não pode participar justamente por sua saúde já debilitada .
Segundo sua família Lazaro Faria deixou de sair sozinho de casa a partir de 2011. Ainda participou de alguns eventos familiares em 2013,mas sempre acompanhado pela família. A partir de agosto começou a ficar debilitado e a responder com muita dificuldade. Passou a ficar dependente de sua família – principalmente de suas filhas que cuidavam especialmente dele – para todas as necessidades. Chegou a ir à festa de aniversário de seu bisneto João Felipe em janeiro de 2014. Mas depois que colocou sonda alimentar em maio, não conseguiu mais falar. A partir daí sua saúde piorou muito. No dia 29 de julho de 2014 passou mal e foi levado para o Centro Médico. Voltou pra casa no mesmo dia, mas voltou a piorar e dessa vez ficou internado. Onde acabou falecendo na manhã seguinte. Conforme dona Luzia, Lazinho faleceu dormindo. E deixou uma grande família, 5 filhos, 2 noras, 6 netos e um bisneto, mas também deixou uma linda historia e uma trajetória de luta pelo distrito que para ele era sua nova cidade. Pois acreditava que Barão seria melhor se emancipado.
Lazaro de Campos Faria não foi apenas um político local, nem apenas um velho atleta. Muito mais que isso, foi um lutador que através de suas conquistas, modificou por diversas sua própria realidade, a de sua família e de sua cidade. E por modificar e melhorar a realidade de toda uma cidade como Barão Geraldo, Faria foi um verdadeiro herói moderno. Não um herói mágico e superior aos outros. Mas sim herói porque em sua simplicidade, responsabilidade cidadã e igualdade foi capaz de dar um uma forte base moral e material para todos, sem se corromper como muitos nesse pais.
Nesse 30 de julho de 2015 faz 1 ano da morte de Lázaro Faria e ainda não foi feita nenhuma homenagem nem em Barão e nem Campinas. Nós moradores de Barão Geraldo lutamos por uma rua ou uma praça para eternizar sua forte presença entre nós. E se o conquistador Lazinho não conseguiu conquistar seu último e maior sonho – a transformação de Barão Geraldo em município – ele conseguiu deixar herdeiros desse sonho. Muitos de nós (não todos é óbvio) continuaremos defendendo esse seu ideal e quem sabe algum dia será sua última conquista, mesmo que post morten. E o conquistador Lazinho, será sempre um marco da história dessa cidade.
Warney Smith é pesquisador da História de Barão Geraldo, graduado e mestrando em Historia pela USP e autor da monografia “Barão Geraldo: a luta pela autonomia” Centro de Memoria-Unicamp, de 1996